O
LOBISOMEM
Por Carmem
Dolores
Adaptação
Nicéas Romeo
Zanchett
.
A festa de São Benedito e de Nossa
Senhora do Rosário corria alegre, na pequena cidade de Lagarto, estado de
Sergipe, e a procissão seguia vagarosamente com o seu aompanhamento de negros e
mulatos, Congos e Tanngeras, cantando em cadência:
" Fogo da
terra
Fogo do
mar,
Que a nossa
rainha
Nos há de
ajudar."
As raparigas, vestidas de branco e
enfeitadas de fitas, dançavam na frente das imagens, esganiçando juntas este
coro:
"Virgem do
Rosário,
Senhora do
mundo,
Dai-me um
côco d'água,
Senão vou ao
fundo...
Inderê, rê,
rê, rê...
Ai! Jesus de
Nazaré!
Ao que respondiam os
negros:
"Meu São
Benedito
Não tem mais
coroa;
Tem uma
toalha,
Vinda de
Lisboa...
Inderê, rê,
rê, rê...
Ai! Jesus de
Nazaré!
De súbito rompeu uma briga e
cruzaram-se gritos, ameaças e vociferações, irrompendo a marcha da procissão.
Um negro velho, de carapinha branca, avançou para o tumulto e indagou
autoritário qual a causa do distúrbio.
Aquilo era uma falta de respeito! E a tarde ia caindo. Queriam eles que
anoitecesse com as imagens no campo, longe da capelinha?
- Ai, pai Chico! exclamou uma negra já idosa, aproximando-se; aquilo é a
minha desgraça! São os meus dois filhos, Cazuza e Januário que estão se
desafiando por causa da Rosa, com quem todos os dois querem
casar-se!
Nesse momento o alarido tomou ainda maiores proporções, ouviu-se o
estalido de violas partidas e servindo de arma para dar pancada, e apareciam
lutando dois mulatos destemidos e assomados, em cuja camisa já se lastravam
algumas nódoas de sangue.
- Para! para! gritavam. O negro velho, de carapinha branca, interpôs-se e
conseguiu agarra-los pelo braço, desenvolvendo uma força de espantar naquela
idade avançada. E conservando agarrados os dois lutadores, berrou para a
procissão, que se apinhava, desordenada:
- Forma, rapazes! E para a frente! Seguir! Nós vamos daqui a
pouco.
Em breve, a longa fila de gente e de imagens estendia-se pelo caminho e
pouco a pouco sumia-se na primeira dobra, ao som dos cantares e das danças; e o
silêncio restabeleceu-se sobre o grupo de pai Chico segurando os dois mulatos,
agora mais calmos e atendendo ás repreensões da negra idosa, que era a mãe
deles.
A tarde ia escurecendo. De repente,
um latido agudo e lastimoso cortou o espaço, e viram passar a galope para os
lados do sertão um grande cachorro negro, com olhos de brasa que desferiam
faíscas luminosas.
- Credo! Te esconjuro! O
lobisomem!... brandaram todos, abaixando a cabeça e fazendo o sinal da cruz. Os
latidos foram se afastando lentamente.
Então o velho pai Chico virou-se para
os dois mulatos, e disse-lhes:
- Vocês sabem quem vai ali? é o cabra
do Leocádio, coitado! que matou o irmão por causa da Virginia. Ambos queriam
casar com a mulatinha, e sai briga que puxa briga, até que na noite de Reis, na
festa da Sapinha, Leocádio enterrou a faca no peito de seu
irmão...
- São Benedito nos acuda! exclamaram
os outros.
- Pois foi mesmo São Benedito que
castigou Leocádio, o tornou negro e lhe transformou em lobisomem, que todas as
noites é condenado a andar pelo sertão, sem descanso.
A esta hora já
vai o desgraçado cumprir a sua sina até o alvorecer da
madrugada...
- Ah! pai Chico! interromperam os dois mulatos, por Deus que nós não
brigaremos mais por causa da Rosa.
- Eu juro por esta cruz! disse o
Cazuza, cruzando os dedos e beijando-os.
- Eu vou para o Rio de Janeiro
sentar praça! disse o Januário.
- E eu? choramingou a negra velha,
então eu vou ficar sem meu filho?
- Quer antes que ele mate um dia o
irmão e vire um lobisomem? perguntou o pai Chico encolerizado.
A preta então resignou-se. E o
Januário partiu mais tarde para o Rio de Janeiro e nunca mais brigou com o
irmão.
O cabra Leocádio, coitado! esse
continua sempre sendo um lobisomem.
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Pesquisa, adaptação e
postagem: Nicéas Romeo Zanchett
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