domingo, 18 de maio de 2014

O lobisomem - Conto

 



O LOBISOMEM
Por Carmem Dolores
Adaptação
Nicéas Romeo Zanchett
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A festa de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário corria alegre, na pequena cidade de Lagarto, estado de Sergipe, e a procissão seguia vagarosamente com o seu aompanhamento de negros e mulatos, Congos e Tanngeras, cantando em cadência:
" Fogo da terra
Fogo do mar,
Que a nossa rainha
Nos há de ajudar."
As raparigas, vestidas de branco e enfeitadas de fitas, dançavam na frente das imagens, esganiçando juntas este coro:
"Virgem do Rosário,
Senhora do mundo,
Dai-me um côco d'água,
Senão vou ao fundo...
Inderê, rê, rê, rê...
Ai! Jesus de Nazaré!
Ao que respondiam os negros:
"Meu São Benedito
Não tem mais coroa;
Tem uma toalha,
Vinda de Lisboa...
Inderê, rê, rê, rê...
Ai! Jesus de Nazaré!
De súbito rompeu uma briga e cruzaram-se gritos, ameaças e vociferações, irrompendo a marcha da procissão. Um negro velho, de carapinha branca, avançou para o tumulto e indagou autoritário qual a causa do distúrbio.
Aquilo era uma falta de respeito! E a tarde ia caindo. Queriam eles que anoitecesse com as imagens no campo, longe da capelinha?
- Ai, pai Chico! exclamou uma negra já idosa, aproximando-se; aquilo é a minha desgraça! São os meus dois filhos, Cazuza e Januário que estão se desafiando por causa da Rosa, com quem todos os dois querem casar-se!
Nesse momento o alarido tomou ainda maiores proporções, ouviu-se o estalido de violas partidas e servindo de arma para dar pancada, e apareciam lutando dois mulatos destemidos e assomados, em cuja camisa já se lastravam algumas nódoas de sangue.
- Para! para! gritavam. O negro velho, de carapinha branca, interpôs-se e conseguiu agarra-los pelo braço, desenvolvendo uma força de espantar naquela idade avançada. E conservando agarrados os dois lutadores, berrou para a procissão, que se apinhava, desordenada:
- Forma, rapazes! E para a frente! Seguir! Nós vamos daqui a pouco.
Em breve, a longa fila de gente e de imagens estendia-se pelo caminho e pouco a pouco sumia-se na primeira dobra, ao som dos cantares e das danças; e o silêncio restabeleceu-se sobre o grupo de pai Chico segurando os dois mulatos, agora mais calmos e atendendo ás repreensões da negra idosa, que era a mãe deles.
A tarde ia escurecendo. De repente, um latido agudo e lastimoso cortou o espaço, e viram passar a galope para os lados do sertão um grande cachorro negro, com olhos de brasa que desferiam faíscas luminosas.


- Credo! Te esconjuro! O lobisomem!... brandaram todos, abaixando a cabeça e fazendo o sinal da cruz. Os latidos foram se afastando lentamente.
Então o velho pai Chico virou-se para os dois mulatos, e disse-lhes:
- Vocês sabem quem vai ali? é o cabra do Leocádio, coitado! que matou o irmão por causa da Virginia. Ambos queriam casar com a mulatinha, e sai briga que puxa briga, até que na noite de Reis, na festa da Sapinha, Leocádio enterrou a faca no peito de seu irmão...
- São Benedito nos acuda! exclamaram os outros.
- Pois foi mesmo São Benedito que castigou Leocádio, o tornou negro e lhe transformou em lobisomem, que todas as noites é condenado a andar pelo sertão, sem descanso.
A esta hora já vai o desgraçado cumprir a sua sina até o alvorecer da madrugada...
- Ah! pai Chico! interromperam os dois mulatos, por Deus que nós não brigaremos mais por causa da Rosa.
- Eu juro por esta cruz! disse o Cazuza, cruzando os dedos e beijando-os.
- Eu vou para o Rio de Janeiro sentar praça! disse o Januário.
- E eu? choramingou a negra velha, então eu vou ficar sem meu filho?
- Quer antes que ele mate um dia o irmão e vire um lobisomem? perguntou o pai Chico encolerizado.
A preta então resignou-se. E o Januário partiu mais tarde para o Rio de Janeiro e nunca mais brigou com o irmão.
O cabra Leocádio, coitado! esse continua sempre sendo um lobisomem.
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Pesquisa, adaptação e postagem: Nicéas Romeo Zanchett
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