sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Declaração de Amor - João Eudes Costa


           DECLARAÇÃO DE AMOR
                                 JOÃO EUDES COSTA
Sempre fui muito tímido. Gosto de ouvir para aprender e falar pouco para errar menos, respeitando a própria anatomia humana que me concedeu dois ouvidos e apenas uma boca. Guardava as emoções envoltas num silêncio, sufocando na garganta o desejo de falar, de dizer em público tudo o que sentia e emitir mensagens coloridas pelo amor que sempre caracteriza o que faço e sinto.
A vontade de externar meus sentimentos cresceu de tal forma que passei a escrever às escondidas, temendo que aquela torrente de pressão estourasse e me jogasse pelo espaço dos devaneios.
Assim, comecei a rabiscar. De início foi difícil traduzir no escrito o que se passava no meu interior. Não me apavorei com as minhas limitações literárias, pois era o único caminho a seguir, capaz de proporcionar o desabafo, dando forma viva tudo que criava no silêncio das meditações.
Escrevia como quem desenha seus próprios sentimentos. Cada frase era uma célula. Cada página um membro da escultura que ia tomando forma na aglutinação das letras. Rabiscava, lia, abraçava como se aqueles escritos fossem pedaços de mim mesmo.
A timidez não permitia mostrar, aos outros, o que escrevia, embora representasse a fantástica proeza de um modesto escrevinhador, que conseguia o milagre de fotografar seus sentimentos. Havia o receio de que alguém não admirasse, respeitasse e até agredisse aquilo que representava um conjunto de emoções, desilusões e de amor.
Meu punho era a torneira que se abria, de vez em quando, para esvaziar o peito que mal me deixava respirar, comprimido por tudo que sentia em silêncio, mas não sabia traduzir em palavras.
Na juventude temos paixões que se não extravasadas explodem dentro de nós e nos transforma em pedaços jogados ao vento, que nos espatifa contra rochedos implacáveis da vida.
Conheci uma jovem muito bonita. Sua aparência cândida não me permitiu descobrir o grande orgulho que escondia no sorriso embriagador que sempre conduzia no rosto. A maneira amável de tratar. A simpatia com que me distinguia, confundiram-me a ponto de pensar que nutria por mim algo mais do que uma grande amizade.
Traído pelo equívoco, incendiado pela paixão, resolvi ler para ela uma crônica que fiz com entusiasmo e afeto, falando de sua beleza, de minha simpatia e pintando em cores um amor que mal podia imaginar que morreria no nascedouro. Como o amor vence tudo, superei a timidez e iniciei a leitura como se cada frase fosse um pedaço de amor
A bela jovem, sequer quis ouvir o segundo parágrafo. Do pedestal da soberba, interrompeu a leitura daquilo que para mim era uma autêntica declaração de amor, dizendo-se cansada e que teria outros compromissos a cumprir, consolando-me com a promessa que depois voltaria para ouvir o restante.
Decepcionado, como se alguém tivesse fechado de uma vez a torneira evasiva de minhas emoções, amassei nas mãos o papel, como se recolhesse a meu interior tudo que havia escrito tentando libertar fortes sentimentos.
Passei muito tempo sem ânimo para escrever. A turbulência do que armazenava, diariamente, no interior não me deixou parar para sempre. Aos poucos meus escritos foram sendo divulgados e não tive como evitar que chegassem aos jornais e rádios, com aceitação que me deixou, embora surpreendido, profundamente feliz.
Uma sexagenária ouvinte, de roupas puídas, corpo alquebrado e andar cambaleante, rosto marcado pelo sofrimento e erosão do tempo pediu-me, com humildade, que lesse para ela ouvir a crônica que, naquele dia, o rádio havia divulgado.
Surpreso, fitei aquela ouvinte tão singular. Emocionado constatei ser a moça bonita e orgulhosa que se recusou ouvir, há muito tempo, a mesma crônica.
Escutou a leitura em silêncio e imóvel como uma pedra, tentando enxugar as lágrimas teimosas que desciam rápidas nos profundos sulcos de seu rosto. Dei-lhe um carinhoso abraço e um profundo beijo de respeito e de presente aquela crônica que, na realidade, lhe pertencia. Com um discreto sorriso, agradecida, colou ao peito aquela mensagem, talvez a única sincera recebida na sua longa vida de prostituição e mendicância.
Pena que, tarde demais, a musa de minha juventude tenha escutado e compreendido a sentida confissão de amor que um dia tentei fazer. A vida nos mostra que é passageiro o orgulho da beleza física e que o talento, por modesto que seja, a serviço do amor, resiste incólume o passar do tempo e seu brilho ninguém é capaz de ofuscar.

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