Retalhos de Quixadá
Conhecendo a História de Quixadá
sábado, 28 de setembro de 2013
Águas do Rio - João Eudes Costa
Sentimos um misterioso fascínio, quando vemos passar as águas que rolam e se espreguiçam no leito de um rio. Não sabemos bem definir a sensação que invade o nosso interior. Caminha o rio sereno, escondendo naquela simplicidade a grandiosidade da força de suas águas. Extasiados fitamos aquela enorme corrente dourada, enroscando-se pelo ventre da terra, vagando como se pisasse com mansidão, para não nos despertar, assustar ou causar medo.
O rio é o gigante humilde, o mensageiro da grandeza de Deus, trazendo na sua candura a força da humildade, geradora da paz e do amor. O rio é o mistério da saudade que se renova em cada curva que faz no silêncio de sua caminhada.
Sossegados escutamos as águas que passam porque elas falam, contam histórias, extravasam as mágoas e choram conosco as desditas e os fracassos. Ficamos em silêncio porque a voz do rio é suave e o sussurro que chega aos nossos ouvidos não pode ser molestado. Como as águas, ele tem que penetrar em nosso corpo, percorrer as artérias, alojando-se no coração para lavar a nossa maldade e purificar a alma.
O rio é o símbolo da união. Dos minúsculos filetes formam-se os córregos, ampliam-se os riachos, crescem os rios. No seu aparente silêncio o rio fala da força da união. Diz na mensagem de fraternidade que, se somos fracos e fomos vencidos, estamos pagando o caro preço do egoísmo. Quando passa, tão sereno e pacificamente, obedece a trajetória de seu leito, mostra-nos o espírito de renúncia e a grandeza da humildade.
Apesar de exuberante, da força e de sua beleza o rio passa deixando um rastro de tristeza e rola preguiçoso, como se nos pedisse para ficar. Se constrangido se vai é porque sabe que dele precisamos e sem as suas águas somos eternos escravos da terra seca. Sente que o mesmo lenço branco com que acenamos à sua passagem será o mesmo que enxugará as lágrimas de saudade e de dor.
Quem em silêncio conversa com o rio e escuta sua voz é porque entre os dois há singela afinidade. Como nós, ele é expulso do sertão, das serras e dos vales onde nasceu e desejava ficar para sempre. Quando passa na sua caminhada vagarosa, estende os braços para os que ficam à sua margem saudosos e tristonhos. Aflito nos pede socorro. Deseja ficar no sertão, refrescar o seu dorso na brisa que exala das árvores que criou e fez crescer. Quer a liberdade de percorrer as várzeas, banhar os campos de culturas e acolher, festivamente, homens e animais na bendita convivência pacífica.
Se leva nas enchentes árvores que, flutuam em seu dorso na caminhada rumo ao mar onde será esmagado pela fúria das ondas, é porque quer sentir o carinhoso abraço dos galhos com folhas verdes ainda banhadas pelo orvalho da noite fria. Leva, também, na sua tristonha mudez, ninhos de pássaros que flutuam como se fossem sagrados andores, carregados numa grande procissão de piedade e fé.
Nos seus momentos de desespero, tentando permanecer conosco, livrando-nos da tragédia da seca, ultrapassa os limites de seu leito e corre nos campos alegre como quem consegue a sonhada liberdade.
A mensagem do rio, infelizmente, nem todos param para escutar. Deixamos as águas passar e, na primeira curva, choramos a sua falta. Neste sertão seco, o rio quer ficar para tornar verde a caatinga acinzentada. Quer permanecer para lavar a poeira da terra seca. Deseja com as suas águas fartar mesas vazias e não deixar perecer de sede homens e animais. Sonha em sentir no seu dorso o bater de asas das aves, brincando de pescar, cantando na alegria da paz e do amor.
O rio nos quer tanto, ama tanto este sertão que renuncia a sua liberdade e se oferece como prisioneiro, contanto que permaneça a nosso lado. Mesmo assim deixamos passar e perdemos para sempre a água de que tanto precisamos para viver. Nossos braços são impotentes para segurar as mãos das águas que se estendem pedindo para ficar. Os que têm o poder. Os que manipulam os recursos não nos ajudam retê-las construindo açudes, barragens para alegria e felicidade de todos.
No mar as águas límpidas dos rios que eram nossa alegria e esperança, morrem também. Transformam-se. Perdem a sua mansidão, talvez enfurecidas com a nossa indiferença e ingratidão. Rolando em desespero chegam à praia espumejante e logo volta em disparada, porque ali não encontrou o sertão a quem queria molhar e se debruçar a seus pés.
As águas do rio, no mar, já não sussurram, gritam bem alto, tentando que suas preces cheguem ao céu e sejam chamadas por Deus para que, em forma de chuvas, voltem a rever e abraçar o sertão.
João Eudes Costa
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