ESTAÇÕES DE MINHA VIDA
Ângela Borges
Era inverno e a chuva caía, mansamente,
molhando a terra seca que já começava a dar sinais de sublime renovação, com as
plantas brotando e com elas também renascendo a esperança no coração do sofrido
sertanejo.
Minha mãe, uma jovem de 16 anos, esperava, entre ansiosa e temerosa, a chegada
de sua primogênita. A parteira já havia chegado, montada na garupa de um
garboso animal, único meio de transporte naquela época.
O tempo passou, e com ele outros verões chegaram. Foi num de seca,
quando os açudes secaram e o gado urrava de fome no curral , que meu pai
decidiu tentar a sorte na cidade.
Lá tudo era novidade, mas não perdemos o vínculo com o sertão. Quando
chegavam as férias, que duravam de dezembro a março, eu ficava na maior
euforia, pois era costume passar na casa de meus avós, na Fazenda São Bernardo.
Para mim, a parte mais emocionante era
pegar o trem e desembarcar na estação de Junco, há alguns quilômetros de
meu destino final.
Durante a viagem, não conseguia ficar sentada, pois aquela paisagem me
deixava estática e me fazia imaginar como seria minha chegada à casa de meus
avós. O sacolejo do trem embalava meus sonhos e eu me via transportada para um
futuro que estamos sempre a esperar e que nunca alcançamos.
Quando o trem parava na estação de Junco, já havia uma pessoa, mandada
por meus avós, trazendo um animal aparelhado com dois “caçuás”, que seria minha
condução. Eu, muito pequenina, ia sentadinha em um lado e no outro minha bagagem. A pessoa encarregada seguia à
frente, puxando o meu transporte para evitar que eu me machucasse.
Era verão, mas na minha colorida infância, a primavera permanecia
povoando minhas fantasias de criança. O que mais me motivava a fazer essa
viagem era ficar perto de meus avós, viajar de trem e a cavalo, bem como
esperar a chegada das chuvas, os açudes enchendo, para poder tomar banho em uma
grande cratera, conhecida por cachoeira, aberta pela força das águas quando o
açude Garaúna sangrava.
E assim o tempo passava e com ele o progresso também chegava, de uma maneira tão rápida, que nem
percebíamos.
Os trens, antes único meio de transporte, começaram a ser substituídos
pelos automóveis e aos poucos foram perdendo seu encanto para muitos, não para
mim. Sempre tive um fascínio todo especial pelos trens, com seus imensos vagões
cheios de pessoas das mais diferentes espécies, cada uma levando no peito uma
saudade, uma tristeza, uma esperança ou uma grande dor.
Fui percebendo que nossas vidas são muito semelhantes aos trens, pois
também estamos sempre parando em várias
estações, seja para renovar nossas energias, para tentarmos recuperar um sonho
ou mesmo para chorar a descida prematura de algum amigo.
O clímax da viagem era a parada na estação, olhar para aquelas pessoas que também tinham
um sonho a realizar. Ver de perto as crianças vendendo cestinhas de uvas... Ah!
Que tempo bom... Mas como passou rápido...
Logo chegou o venturoso outono, e
todos se preparavam para a colheita, não sabendo eles que apenas os que
tiveram o trabalho de semear e regar teriam acesso a ela. Quem plantou sementes de amor, solidariedade e fraternidade, com certeza quando chegar o
momento de seu desembarque, levará consigo tudo o que semeou, tornando assim
mais bela sua estação final.
Agora, adulta, acompanho com a mesma alegria de outrora, a passagem dos
trens em nossa estação,hoje ocupada pela
Academia Quixadaense de Letras, cujos vagões transportam milho, para amenizar o sofrimento dos
nordestinos, ou dormentes que servirão
para construir uma nova ferrovia, que não passará na velha estação, palco de
meus sonhos.
Uma grande tristeza me invade a alma
ao constatar que os trens passageiros foram extintos em nosso sertão,
deixando gravado no coração de cada um de nós o seu tão conhecido apito e o bater
do sino anunciando sua chegada e partida.
No dia 27 de outubro de 2013, data em que comemorávamos o aniversário de
143 anos de nosso município, ouvi, pelo
que seria a última vez, o apito do trem que se despedia da histórica estação.
Trem que se foi e levou meus sonhos de criança, fantasias de adolescente
e desilusões de um adulto que muito sonhou em fazer parte de um mundo melhor.
Quem sabe, quando chegar a hora de meu
desembarque, eu possa caminhar livre por aí e vislumbrar o mundo que sempre sonhei
encontrar em cada uma das estações de minha vida.
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