Cores, aromas, sabores, histórias...
Vale deixar os cinco sentidos livres para circular pelo mercado São Sebastião. Sempre há o que surpreenda
Há uma verdade – nem sei se dita - de que você nunca é o mesmo depois de percorrer os corredores de um mercado. E nem ele será igual para cada um que passa e o observa. Feito o rio de Heráclito, o grego, em que de cada mergulho nunca mais sairemos os mesmos. Porque mudam as águas e mudamos também. Fomos mergulhar no São Sebastião.
O mercado passa e seu coração se deixa levar. Lá estão cheiros, cores, sabores, toques e biografias de surpreender. De emocionar, principalmente. Como a saga de dona Otília, que botou filhos na faculdade e os criou vendendo amendoim, pequi, cajá, acerola. Há o talhador de boi que nunca falta ao serviço, orgulhoso de seu ofício rude e habilidoso. A vendedora de pimentas, dona Leó, mais de meio século de mercado, de quando a venda ainda era na Duque de Caxias, fora dali tem sua história de resiliência e afirmação. E qual vida é fácil?
Um mercado digno precisa de suas majestades. Lá no São Sebastião tem “Louro”, que se autoproclama “Rei da Palha”. Nos seus boxes, ele quase some entre mais de mil itens que põe diariamente à venda. A palha é só um dos produtos. Acredite, a quantia não é exagero.
No pátio externo, você pode passar despercebidamente por um senhor, jeito inofensivo e simpático, que diz ir diariamente agradecer a São Sebastião e depositar moedinhas no oratório. Só que, diante da ocasião, também empresta dinheiro a juros aos que lhe pedem. No dia que fui ao Mercado também encontrei com um outro, digamos, personagem: “O Show”. Ainda sem tantos holofotes, mas paramentado de chapéu e cordão grosso no pescoço, esse é o codinome do “Príncipe Pop do Pé de Serra”. O Show busca fama entre futuros súditos sob o patrocínio do box do “Rei do Café” – mais gente da realeza local! Claro, comprei um CD.
Nada é igual em 449 boxes tão parecidos. Por onde se ande, descubra, experimente. O vermelho pode ser doce e talvez azedo ou ardoso. Ou da cor de sangue na faca. O verde está nas favas, na hortaliça e cédulas de 100 reais. O dinheiro circula vivo. O roxo é batata, cebola, azeitona, pimenta, berinjela, repolho. A manga é de que cor, qual sabor?
O que é áspero na casca tem miolo adocicado, feito coco ou abacaxi. Para além das frutas e verduras, raízes e garrafadas de curar quase tudo, da gripe à impotência, nervosismo e qualquer fraqueza. Ou pelo menos a promessa no rótulo e a crença na cabeça. Um olhar atento vê a foto em preto e branco do Ferroviário do coração, envelhecida, escalação de 1968 perfilada, decorando o balcão aos pés da balança. Orgulho ou desilusão atual? Ali, todos sabem qual o time do seu Nilo, do box 316.
No corredor cheio, a menina mais bonita é a que parece ter o olhar mais triste. Se vendesse beleza... mas o quilo é de frutas mesmo. Quer cachaça com caranguejo engarrafado ou algum rótulo mais sacana? “Amansa corno”, “Nabunda”, “Mata o Véio”... Na gastronomia indescritível, de filé e vísceras, o paladar se agrada com o que os olhos culpam. Alguns desaprovam sem provar. Mal sabem da sustança e do revigor que uma panelada proporciona após uma noitada bem vivida. A fuçura, da cabeça de bode cozida inteira, é de fazer suar.
Jornal O POVO
O mercado passa e seu coração se deixa levar. Lá estão cheiros, cores, sabores, toques e biografias de surpreender. De emocionar, principalmente. Como a saga de dona Otília, que botou filhos na faculdade e os criou vendendo amendoim, pequi, cajá, acerola. Há o talhador de boi que nunca falta ao serviço, orgulhoso de seu ofício rude e habilidoso. A vendedora de pimentas, dona Leó, mais de meio século de mercado, de quando a venda ainda era na Duque de Caxias, fora dali tem sua história de resiliência e afirmação. E qual vida é fácil?
Um mercado digno precisa de suas majestades. Lá no São Sebastião tem “Louro”, que se autoproclama “Rei da Palha”. Nos seus boxes, ele quase some entre mais de mil itens que põe diariamente à venda. A palha é só um dos produtos. Acredite, a quantia não é exagero.
No pátio externo, você pode passar despercebidamente por um senhor, jeito inofensivo e simpático, que diz ir diariamente agradecer a São Sebastião e depositar moedinhas no oratório. Só que, diante da ocasião, também empresta dinheiro a juros aos que lhe pedem. No dia que fui ao Mercado também encontrei com um outro, digamos, personagem: “O Show”. Ainda sem tantos holofotes, mas paramentado de chapéu e cordão grosso no pescoço, esse é o codinome do “Príncipe Pop do Pé de Serra”. O Show busca fama entre futuros súditos sob o patrocínio do box do “Rei do Café” – mais gente da realeza local! Claro, comprei um CD.
Nada é igual em 449 boxes tão parecidos. Por onde se ande, descubra, experimente. O vermelho pode ser doce e talvez azedo ou ardoso. Ou da cor de sangue na faca. O verde está nas favas, na hortaliça e cédulas de 100 reais. O dinheiro circula vivo. O roxo é batata, cebola, azeitona, pimenta, berinjela, repolho. A manga é de que cor, qual sabor?
O que é áspero na casca tem miolo adocicado, feito coco ou abacaxi. Para além das frutas e verduras, raízes e garrafadas de curar quase tudo, da gripe à impotência, nervosismo e qualquer fraqueza. Ou pelo menos a promessa no rótulo e a crença na cabeça. Um olhar atento vê a foto em preto e branco do Ferroviário do coração, envelhecida, escalação de 1968 perfilada, decorando o balcão aos pés da balança. Orgulho ou desilusão atual? Ali, todos sabem qual o time do seu Nilo, do box 316.
No corredor cheio, a menina mais bonita é a que parece ter o olhar mais triste. Se vendesse beleza... mas o quilo é de frutas mesmo. Quer cachaça com caranguejo engarrafado ou algum rótulo mais sacana? “Amansa corno”, “Nabunda”, “Mata o Véio”... Na gastronomia indescritível, de filé e vísceras, o paladar se agrada com o que os olhos culpam. Alguns desaprovam sem provar. Mal sabem da sustança e do revigor que uma panelada proporciona após uma noitada bem vivida. A fuçura, da cabeça de bode cozida inteira, é de fazer suar.
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