LUCINHA, O CÉU PRECISOU DE SUA
LUMINOSIDADE
JOÃO EUDES COSTA
O amor que dedicamos aos filhos muito se
assemelha à beleza e grandiosidade de um rio, que, apesar de sua misteriosa
força, apresenta-se com a mansidão dos benfeitores. Quanto maior o seu caminhar
mais caudaloso se torna. Os afluentes que nele penetram o tornam cada vez mais
afetuoso, semeando amor por onde passa.
Por isso experimentei alegre expectativa
quando aguardava o nascimento de minha filha Lúcia Maria, que seria mais um
afluente do meu rio de amor formado por meus três filhos, navegantes da embarcação
condutora da felicidade em nosso lar. Fechando os olhos num momento de enlevo
espiritual, sentia Lucinha segurando, fortemente, a minha mão como se pedisse
proteção na insegurança de seus primeiros passos. Ouvia a sua voz imitando o
diálogo entre suas bonecas. Sentia a maciez de seus dedos acariciando meu
rosto, agradecida pelas histórias que lhe contava, para colorir o seu mundo sem
maldade. Eu a via correndo ao meu encontro para me abraçar e beijar,
chamando-me de “paizinho do meu coração”.
Quando Lucinha nasceu, foi um dia de festa
para todos nós. Era mais um filete de água que descia do céu para tornar mais
caudaloso o rio de nossa felicidade.
Um dia, porém, a ciência, após extrair os
dois olhinhos de nosso anjo atingidos por uma cruel infecção, fez a dolorosa
revelação de que Lucinha havia nascido com expressiva deficiência física e além
de não mais enxergar, possivelmente, não iria falar, ouvir nem andar.
O impacto que senti ao ouvir tão dolorosa
afirmação não há como descrever. Na solidão de minha tristeza interrogava-me:
mas por que Lucinha havia sido vítima de tamanha limitação? Como poderia comigo
conversar, correr ao meu encontro sorrindo e receber sua bonequinha companheira
inseparável de sua inocência?
Não demorou muito para reconhecer que a maior
deficiência era a minha, por não entender a sapiência Divina que nos entregou
Lucinha porque confiou em nossa generosidade e capacidade de amar. Quis Deus
nos mostrar que por modesta que seja uma luz tornar-se-á incandescente quando
estamos na escuridão. O Pai Celestial sabedor de nossas fraquezas, vendo-nos
fascinados pelas luzes multicores da ilusória felicidade, veio em nosso auxílio
mostrando-nos a autêntica claridade da fraternidade, da solidariedade, da
humildade e do perdão.
Lucinha sem jamais ter dado uma passada,
privada da visão física pegou, com firmeza, em minha mão, sem tropeçar nos
obstáculos da estrada, conduziu-me pelo caminho em que eu diariamente percorria
indiferente à realidade do desamor que me cercava.
Mostrou-me os cegos caminhando sem guia
tropeçando na indiferença dos que enxergam. Os mudos acenando em vão para os
que não se interessavam entender as suas súplicas. Os mutilados arrastando-se
pelo chão, pisoteados, impiedosamente, pelos despudorados da solidariedade
humana e onde a vingança, ocupando todo o espaço dos corações infartados pelo
ódio, impede que neles sejam feita a cirurgia do perdão.
Foi nesse ambiente de angústia e
sofrimento que Lucinha pediu que eu permanecesse para compreender a diferença
das ações dos que na avidez do possuir constroem seus palácios no alicerce do
orgulho e da prepotência, com os que palmilham a trilha da fraternidade e da
caridade que Jesus nos recomendou seguir.
Deus foi benevolente com Lucinha, quando a
entregou nos braços de uma mulher, símbolo do amor maternal, da dedicação e da
renúncia, jamais se insurgindo contra os desígnios de Deus, porque sabia ser
Divina a missão de sua filha aqui na terra. O exemplo de heróico sacrifício de
Vandira transferiu para os outro filhos a força de um sublime amor, tornando-os
verdadeiros Cirineus, ajudando, com desvelo, Lucinha conduzir a sua pesada
cruz.
Embora não tenha sido um pai com tantas
virtudes, fui o mais beneficiado com a companhia de Lucinha, porque a segui
resignado pelo sagrado caminho que ela indicou o único capaz de nos oferecer a
verdadeira paz interior.
A partida de minha filha deixou-me saudoso
e temeroso sem saber como prosseguir no restante da jornada sem o brilho da
querida estrela guia. Num dos momentos de meu pranto senti o abraço de Lucinha
e ouvi sua voz dizendo: “Não chore pai, Deus chamou-me para outra missão,
porque fez de mim uma de suas mensageiras do bem. Levou-me para poupar vocês de
maior sofrimento. Daqui em diante, iria ficar sob a custódia da ciência, que, a
todo custo, queria manter-me ao lado de vocês, mesmo com ajuda de aparelhos que
me feriam o corpo. Será que era justo fazê-los também sofrer tanto?
Esta mensagem vinda do céu confortou-nos,
pela certeza de que Lucinha jamais sairá de nossas retinas e estará sempre
sorrindo todas as vezes em que praticarmos os atos de caridade cristã que ela
nos ensinou. Servindo de guia aos que não enxergam. Ajudando os paralíticos.
Entendendo a súplica dos que não falam. Matando a fome e saciando a sede dos
que mendigam caridade pelo amor de Deus. Abraçando os que nos ofenderam,
agasalhando-os com o manto do perdão.
Deus levou Lucinha, nossa estrela guia,
mas deixou a sua luminosidade entre nós para que mostre o caminho onde possamos
reencontrá-la na presença de Jesus. Na corte Celestial Ela feliz nos abraçará e
ao Mestre nos apresentará como fruto de sua gloriosa missão aqui na terra.
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