O
TRISTE BEIJA-FLOR
JOÃO
EUDES COSTA
Nenhuma
tristeza no mundo poderá ser comparada a do minúsculo beija-flor, que pousado
no galho de uma papoula, observa desolado um jardim com as plantas retorcidas,
queimadas pela inclemência do sol, sem uma única flor, morrendo de sede,
respirando sutilmente, como se vivesse nos últimos momentos da existência.
Atônito, sem encontrar
qualquer motivação para viver, o Beija-Flor parou talvez para relembrar a
felicidade do passado. Naquele profundo pesar, olhava para os quatro cantos do
jardim, onde costumava passear alegremente, aflando sob a cadência de um
delicado bater de asas, volteando entre roseiras coloridas. Beijando a face de
todas demonstrava a carícia que mereciam pelo que representam pra o mundo, como
obra de arte, que Deus deixou como símbolo da paz e da harmonia entre nós.
Para o beija-flor não fazia
diferença que as rosas brotassem no solo da mata virgem, na latinha de flandres
pendida na biqueira da casa humilde do sertão ou no vaso de prata que enfeita a
rica mansão. Não importava que fossem do sofrido Nordeste, ou trazidas da bela
primavera dos abastados países da Europa. Antes de beijá-las, não interessava
saber se vão enfeitar as alegrias da vida, ou a tristeza da morte. Para o
pequeno beija-flor todas são belas e nenhuma deixa de ser digna da reverência e
do carinho.
Em gratidão a tamanho afeto
e para que o beija-flor fosse cada vez mais belo e carinhoso, as flores
ofertavam a doçura do néctar, que, segundo a mitologia, era a bebida dos Deuses
gregos.
Por isso, o Beija-Flor
estava tão triste. Sem a presença e alegria das flores, perdeu o entusiasmo
ficando estático a pensar, ou quem sabe a chorar, sentindo a imensa dor, uma
grande saudade, e o infortúnio de conviver num mundo de melancolia, sem o
encanto e a singeleza de quem tanto amou.
Entre os humanos as flores
devem ser as boas ações, que precisam ser cultivadas e receberem o beijo da paz
e da compreensão, porque representam o amor, sem o qual todos também morreremos
por inanição.
Se naquele jardim o
Beija-Flor entristece com a morte das plantas que definham pela sede, no mundo
todos nós também entristecemos pelo desaparecimento das flores extirpadas pelo
ódio, pela violência e pela obstinação existente entre os homens.
Quem nos espreita à
distância, igualmente constata a nossa tristeza, a nossa angústia, e há de nos
ver solitários e pensativos, impotentes para amar, porque as roseiras que nos
cercam estão todas mortas, queimadas pelo fogo da discórdia, esmagadas pelo
peso do egoísmo, que nos isola na ilha da desilusão.
Embora pareçamos tristes
como o beija-flor, a nossa dor, a razão de nossa amargura é bem diferente.
Enquanto a delicada ave beija para saudar a rosa que nasce, a perfeição que
surge, levando-lhe afeição e a alegria da vida, o homem beija, muitas vezes,
para marcar a sua traição. O Beija-Flor chora a falta da rosa pelos beijos que
não pode dar. Enquanto nós choramos de remorso pelo beijo que demos para
enganar, para fingir e disfarçar a nossa maldade.
Afinal as rosas nascem,
enfeitam o mundo com a mensagem da paz, e têm a necessária humildade para
perfumar mãos que as destroem, que as ceifam e que as fazem morrer. Enquanto
nós algemamos e abrimos chagas nas mãos que nos acariciam, e torturamos os
corações que se abrem para nos acolher e amar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita, indique aos amigos.