quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

ANJOS INSANOS


             Anjos Insanos
 
                                    Bruna Borges Costa – Ocupante da cadeira n° 1 da Academia Quixadaense de Letras


Eu estava atrasada. De novo. Tinha que chegar logo à biblioteca se quisesse terminar de estudar tudo a tempo, mas o peso daquelas apostilas estava me matando. Andava com os passinhos curtos e apressados que sei que me são costumeiros, quando passou por mim um garoto. Aparentemente, tínhamos a mesma idade, e ele também tinha as mãos ocupadas, mas diferentemente de mim, ele carregava materiais de construção. E eu que achava o peso dos meus livros quase insuportável, baixei a cabeça e não consegui sustentar mais o olhar que nós trocamos. Eu esperando algo de mim, planejando todo um futuro, marcada pelos meus horários bem definidos e mal cumpridos, e na mesma calçada, o contraste: alguém da mesma idade, carregando o peso de uma responsabilidade, um trabalho. Comentei o ocorrido com um amigo e esse me chamou, injustamente, de anjo. Justificou dizendo que poucas pessoas hoje em dia tinham a percepção do que sentem os outros, pouca gente se importava, comentou.
Se anjos são pessoas boas, que vêem como estão os outros, deduzo que devam ser pessoas meio amarguradas. Talvez os anjos bebam pra esquecer esse vazio que sentem por saber que as coisas são do jeito que são. Talvez eles fumem, para que a fumaça possa embaçar por um minuto a realidade corroída com as coisas que só eles percebem. Quem sabe eles sorriam porque não saibam entristecer à vista alheia. Penso até que deliram de desgosto, sabendo que fazem tudo o que podem e ainda assim, parece que foi muito pouco. E se os anjos andam tão cansados, tão desolados, é por isso que o mundo é assim? Será que os anjos preferem se matar a morrer tentando em vão melhorar as coisas? Ouvi dizer que eles gritam em silêncio, que eles agonizam e sofrem, e choram um ácido que vai corroendo a face a medida que desce, enquanto o cheiro forte de carne queimada vai tomando conta das próprias narinas, e as cicatrizes vão se tornando longos traços que recobrem todo o rosto marcado, não pela dor, mas pela tristeza. Seja como for, os anjos se envenenam mesmo vindo pra esse mundo, despejam seus sonhos idealistas pra depois perceber que só serão sonhos. O mundo não é lugar pra vocês, aqui só são mártires anônimos. Antes morram consumidos por seus vícios do que se deixar morrer por dentro. Antes um coma alcoólico, um câncer de pulmão, uma depressão, do que deixar morrer os ideais. Mas ainda assim eles morrem todos os dias, eu sei que morrem. Já com tantas cicatrizes, se jogam dentro de partes de si mesmo que até nem sabiam que existiam. Mas e se a queda doer? Vai ser só mais uma marca. E se a vida não mais existir? Esse pode ser o menor dos seus pesares. Que vida perversa, os faz perder as asas, rasgando as promessas que nunca pronunciaram, mas ainda assim, fizeram a si mesmos.



   

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