LUZIA DE PINHO – Nasceu em Quixadá. Embora
não pertencendo a elite social quixadaense da época, Luzia era uma jovem bonita,
de belo corpo, simpática e atraente. Seus privilegiados dotes físicos foram
motivos de assedio por parte de jovens, considerados integrantes da classe
social, denominação que sempre foi atribuída aos que possuem bens e dinheiro.
Esses algozes, quase sempre impunes da justiça, seduziram
a bela Luzia, pondo-a no jardim florido da ilusão, para depois jogá-la num
lupanar. Repudiada pela mesma sociedade, que conquistou a sua beleza, deformou o
seu corpo, abriu feridas em sua alma, roubou os sonhos de sua juventude
e a julgou apodrecida, a fim de sepultar a sua imagem.
Luzia de Pinho foi uma das mais populares figuras de
Quixadá. Com suas forças físicas desgastadas nas noites iluminadas pela ilusória
claridade de sua juventude e beleza, que julgava jamais se transformar num rosto
marcado pela desilusão e sofrimento, passou a mendigar pelas ruas da cidade.
Sempre alegre, conquistou a simpatia dos esmolés, não
pelos que lhe fizeram tantas promessas e depois lhe viraram as costas, mas pelos
que tinham no coração a oração da caridade.
Quando pela linha férrea ainda circulavam trens de
passageiros, Luzia era figura conhecidíssima, pois sempre estava, na estação
ferroviária, pedindo esmolas.
Fazia uma careta característica, pois conseguia elevar o
queixo à ponta do nariz. Por ser conhecida, sempre que alguém lhe dava moedas,
exigia: “Faça uma caretinha, Luzia”. Assim ganhava a vida e conquistava amigos.
A sua popularidade era tamanha, que havia famílias que no dia 13 de dezembro,
data de seu aniversário natalício, levavam bolo à sua humilde morada, para
homenageá-la. Os refrigerantes que sobravam, Luzia levava às pessoas que não se
lembraram de seu aniversário, e, logicamente, alguns trocados vinham às suas
mãos.
Criou apenas um filho, conhecido por João Boió, que não
trabalhava e bebia muito. Sua mãe, apesar de viver de esmolas, jamais lhe negou
amparo e carinho.
Faleceu, repentinamente, num pequeno quarto onde residia
com o filho. Foi sentida a falta de Luzia pelas ruas da cidade,
principalmente daquela voz fraca, da sua careta característica e até de sua
maneira de esmolar quando dizia: “Tô com dor no quarto meu, correndo pra perna
minha e o pé meu dói”. Nos seus últimos dias de vida, já bastante debilitada,
quando alguém dizia: “Só lhe dou esmola se você chorar, fazendo a careta”. Luzia
sem mais aquela alegria respondia, com tristeza: “Não
tenho mais lágrima minha”.
Foi muito questionado, quando a Câmara
Municipal nomeou de Luzia do Pinho a rua onde ela passou grande parte de sua
vida, atingindo ali o seu centenário de existência. Talvez, também,
eu sofra crítica por ter ocupado tanto espaço com a biografia de Luzia.
Aceito as críticas, porque cada qual profere a sentença
que a sua consciência dita. Porém, julgo que a história de uma cidade não é
escrita apenas pela elite social. Figuras folclóricas e humildes, igualmente,
escrevem páginas e dão exemplos, que devem servir de reflexão.
Luzia, jovem, bonita nunca desejou freqüentar a rua das
Flores (Atual rua Clarindo de Queiroz, onde funcionou um cabaré). Quem a levou
para aquele antro de degradação humana? Com certeza, foi a classe social, que
hoje tem vergonha de seu nome figurar em uma rua de Quixadá e critica o grande
espaço que utilizei para fazer o relato da vida de Luzia de Pinho.
Este preconceito com as pessoas humildes e que, por
motivos vários, tiveram insucesso em alguma etapa da vida, principalmente a de
não pertencer à classe privilegiada, foi muito bem retratado pelo acarauense,
Padre Antônio Tomás, escolhido, numa promoção realizada pela revista “Ceará
Ilustrado” como o “Príncipe dos Poetas Cearenses”. Em Verso e Reverso, o poeta
disse:
Esta mulher de face escaveirada
Que vês tremendo de
ânsia e fadiga
Estendendo a quem passa a mão mirrada
Foi meretriz antes de
ser mendiga.
Fugiu-lhe breve, nessa vida airada
Da mocidade a doce
quadra amiga
E chegou a ser velha e desgraçada
Antes do tempo... a tanto o
vício obriga!
Ontem de gozo e de volúpia ardente
Fosse a quem fosse
dava, a qualquer hora
O seio branco e o lábio sorridente.
E hoje, triste sina,
embalde chora
Pedindo esmola àquela mesma gente
Que de seus beijos se
fartara outrora.
João Eudes Costa
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