quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

VOLÃO APREENDIDO É SALVO PELOS VERSOS DO POETA

Contam os paraibanos – eu conheço muitos que são dignos de crédito – que em um dia qualquer, na cidade de Campina Grande, no interior do Estado, alguns cidadãos que faziam uma serenata, foram presos. Embora liberados no dia seguinte, o violão ficou detido. Ao tomar conhecimento do acontecido, o poeta Ronaldo Cunha Lima enviou uma petição ao Juiz da Comarca, em versos, solicitando a liberação do instrumento musical. O juiz não se fez de rogado e, tão logo soube da petição, respondeu também em versos. Vejam as duas publicações, que são bem conhecidas no Nordeste, mas pode ser que algum leitor do ZecaBlog não as conheça. Divirtam-se.
 
Senhor Juiz 
Roberto Pessoa de Sousa  

Ronaldo Cunha Lima 
 
O instrumento do "crime" que se arrola 
Nesse processo de contravenção 
Não é faca, revolver ou pistola, 
Simplesmente, Doutor, é um violão. 
  
Um violão, doutor, que em verdade 
Não feriu nem matou um cidadão 
Feriu, sim, mas a sensibilidade 
De quem o ouviu vibrar na solidão. 
  
O violão é sempre uma ternura, 
Instrumento de amor e de saudade 
O crime a ele nunca se mistura 
Entre ambos inexiste afinidade. 
  
O violão é próprio dos cantores 
Dos menestréis de alma enternecida 
Que cantam mágoas que povoam  a vida 
E sufocam as suas próprias dores. 
  
O violão é música e é canção 
É sentimento, é vida, é alegria 
É pureza e é néctar que extasia 
É adorno espiritual do coração. 
  
Seu viver, como o nosso, é transitório. 
Mas seu destino, não, se perpetua. 
Ele nasceu para cantar na rua 
E não para ser arquivo de Cartório. 
  
Ele, Doutor, que suave lenitivo 
Para a alma da noite em solidão, 
Não se adapta, jamais, em um arquivo 
Sem gemer sua prima e seu bordão 
  
Mande entregá-lo, pelo amor da noite 
Que se sente vazia em suas horas, 
Para que volte a sentir o terno açoite 
De suas cordas finas e sonoras. 
  
Liberte o violão, Doutor Juiz,  
Em nome da Justiça e do Direito. 
É crime, porventura, o infeliz 
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito? 
  
Será crime, afinal, será pecado, 
Será delito de tão vis horrores, 
Perambular na rua um desgraçado 
Derramando nas praças suas dores? 
  
Mande, pois, libertá-lo da agonia 
(a consciência assim nos insinua) 
Não sufoque o cantar que vem da rua, 
Que vem da noite para saudar o dia. 
  
É o apelo que aqui lhe dirigimos, 
Na certeza do seu acolhimento 
Juntada desta aos autos nós pedimos 
E pedimos, enfim, deferimento. 
 
 
 
Despacho do juiz
Roberto Pessoa de Souza
 
Recebo a petição escrita em verso 
E, despachando-a sem autuação,  
Verbero o ato vil, rude e perverso,  
Que prende, no Cartório, um violão. 
  
Emudecer a prima e o bordão, 
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso, 
É desumana e vil destruição 
De tudo que há de belo no universo. 
  
Que seja Sol, ainda que a desoras, 
E volte à rua, em vida transviada,  
Num esbanjar de lágrimas sonoras.  
  
Se grato for, acaso ao que lhe fiz, 
Noite de luz, plena madrugada,  
Venha tocar à porta do Juiz.

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