por Jaime Arantes
A terça-feira, 17, foi um dia intenso para Vera Lúcia Carneiro, presidente e fundadora da Associação de Pais e Amigos de Pessoas Especiais de Quixadá – Apapeq. Em sua casa, Vera recebeu dezenas de visitas de pais e mães emocionados que, em lágrimas, indagavam acerca do possível fim da instituição.
Fundada em 1989, a Apapec é uma das únicas instituições na região do Sertão Central cearense que trabalha com dedicação total a pessoas “especiais”. O nascimento da instituição foi motivado pela luta pessoal da fundadora, que tem um filho especial. Em entrevista concedida a Jaime Arantes, um dos editores do Monólitos Post, Vera Lúcia explicou: “Quando Deus me deu este filho especial, senti desde o primeiro momento que eu estava sendo chamada para uma missão maravilhosa, que era não só de cuidar do meu filho, mas também de ajudar outras famílias com as mesmas necessidades.”
De sua criação até o dias atuais, a Apapeq evoluiu e se tornou uma instituição muito querida por toda a sociedade quixadaense. Atualmente, dispõe de dezenas de profissionais dedicados ao cuidado de crianças e adolescentes especiais. São fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais, psicopedagogas e professores, todos inspirados e motivados pelo exemplo da fundadora. Os profissionais da Apapeq são seguidores de um método de serviço que inclui, entre os componentes mais importantes, respeito e amor de verdade pelas crianças atendidas.
Vera Carneiro explicou ao Monólitos Post que a instituição atende 239 crianças e adolescentes especiais, 39 autistas, 93 alunos incluídos, além dos bebês encaminhados pelo Programa de Saúde da Família para estimulação precoce. Até mesmo escolas particulares usufruem dos serviços prestados pela Apapeq.
A Apapeq também oferece vivências terapêuticas a pessoas entre 30 e 58 anos. Elas realizam atividades tais como hidroginástica e natação, e há até mesmo um coral composto apenas por deficientes mentais.
A contribuição da Apapeq ao povo de Quixadá não se limita apenas ao oferecimento destes serviços essenciais que nunca foram ofertados pelo município, mas se estende à promoção de uma conscientização da sociedade voltada para o acolhimento dos portadores de necessidades especiais. A Apapeq também tem feito toda a diferença na vida familiar das crianças atendidas, e muitos pais dizem que não saberiam o que fazer sem o auxílio da instituição.
Vale ressaltar que a Apapeq não onera a administração de Quixadá, uma vez que cada criança atendida ali gera receita para os cofres do município. O Estado, com o qual a instituição também é conveniada, entra com a manutenção de dez profissionais.
FIM DA APAPEQ
Na última sexta-feira, 13, o Secretário de Educação, Antônio Martins, levou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº. 036, de autoria do próprio gestor, que visa criar o Centro de Apoio à Educação Inclusiva. Uma mensagem oficial enviada pelo prefeito João Hudson ao Presidente da Câmara, Pedro Baquit, solicitou “que a matéria seja apreciada e aprovada em caráter de urgência”. Na prática, a aprovação do projeto representa o fim da Apapeq. Como assim?
Ocorre que o projeto apresentado pelo Secretário de Educação visa não apenas a criação do Centro de Apoio à Educação Inclusiva, mas a implantação de uma política municipal para a educação especial totalmente nova. E estas novas políticas simplesmente não parecem levar em consideração a existência da Apapeq e, em médio prazo, tornarão a instituição obsoleta. A aprovação do projeto representa, portanto, o fim da Apapeq.
O projeto apresentado pelo Secretário de Educação também requer a criação de cargos e funções gratificadas e abre espaço para a contratação de vários prestadores de serviço.
REAÇÃO DA APAPEQ
Vera Lúcia Carneiro e funcionários da instituição estão indignados. Vera explicou que não é contrária à implantação de políticas públicas melhoradas em relação à educação especial, mas acha que o Secretário de Educação está simplesmente passando um rolo compressor na Apapeq. “Gostaríamos de sentar com todos os envolvidos na promoção da educação especial no município. Queríamos discutir os pontos em que precisamos melhorar e analisar o papel de cada um. O CRISCA, por exemplo, criado em 2006, simplesmente deveria funcionar, mas é uma instituição abandonada pelo poder público. Agora, sem consultar ninguém, numa atitude de ditador, o Secretário quer simplesmente agir como se duas décadas de trabalho e esforço não tivessem sido dedicados a essas crianças”, afirmou ela.
Vera também disse que considera o ato do prefeito João Hudson, de aprovar esse projeto sem consultar a Apapeq, como uma verdadeira traição. Segundo ela, João é amigo solidário da Apapeq desde a fundação, e sabe muito bem o valor que a instituição tem na vida das crianças. “Fomos todos pegos de surpresa, Jaime. Eles não tiveram a ombridade de sentar conosco para discutir o assunto”, acrescentou Vera Lúcia. “Só queremos dialogar a respeito, só queremos ter nosso trabalho, que é feito com amor, valorizado. Só queremos comunicação. Não aprovamos essa atitude autoritária, ditatorial”, desabafou a educadora.
Está marcada para hoje uma reunião entre dirigentes da Apapeq e o Secretário de Educação, Antônio Martins. A reunião ocorrerá por volta das onze horas, na própria secretaria.
Os pais das crianças atendidas pela Apapeq estão preocupados. Por telefone, conversamos com três mães que pediram para não ser identificadas. Elas temem represálias contra parentes empregados na prefeitura. Uma delas disse: “Minha preocupação é que esse serviço venha a ser colocado nas mãos do município. Sabemos que jamais conseguirão fazer do mesmo modo que a Apapeq faz. A Apapeq, quando você vem aqui, você vê que isso aqui é mais do que um trabalho para estas pessoas. Isto aqui elas fazem como se os filhos fossem delas.”
Outra mãe afirmou: “As pessoas daqui da Apapeq são muito preparadas. Não vou confiar em gente dessa gestão desastrada da prefeitura para cuidar do meu menino. Hoje eu já chorei muito por causa disto. Não queria que o João aprovasse isso. Queria que ele ajudasse a Apapeq a crescer e melhorar.”
A terceira mãe foi incisiva: “Estou anotando o nome de todos os vereadores que aprovarem esse absurdo. Eu não vou esquecer o nome daqueles homens e mulheres que contribuíram para o fim da Apapeq. Meu filho vem aqui desde que nasceu. Essa é a casa dele. Esse trabalho não pode ser substituído por nada. Isso aqui é feito de amor. O prefeito, esse secretário e os vereadores precisam entender que estão mexendo com vidas, e vidas de criancinhas. Se esse projeto resultar no fim da Apapeq, ter votado nesse prefeito terá sido a pior coisa que já fiz em toda minha vida.”
POSICIONAMENTO DO SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO
Contatamos o Secretário de Educação, Antônio Martins, para que ele falasse sobre o polêmico projeto. As palavras dele deixam claro duas coisas: (1) a Prefeitura está absolutamente decidida a levar o projeto adiante; (2) como resultado disto, a APAPEQ será abatida pelo projeto. É, de fato, apenas uma questão de tempo para que as novas políticas relacionadas à educação especial em Quixadá estejam sob o controle direto e total da Secretaria de Educação, retirando instituições como a Apapeq de seu protagonismo destacado e reduzindo-as à mera categoria de ‘complemento educacional’.
Segue parte dos esclarecimentos do Secretário de Educação dados ao Monólitos Post:
“Não podemos confundir as coisas. Eu sou agente público e enquanto secretário de educação a minha competência é de definir políticas públicas para o município. E políticas públicas compreendendo o estado laico.
“Os que me antecederam deixaram de cumprir os dispositivos legais no papel de definir as políticas públicas para a educação quixadaense, inclusive a educação inclusiva. As ações ficaram por todos estes anos nas mão de uma ONG.
“Quixadá não avançou e nem vai avançar se permanecer com esta visão limitada. Precisamos avançar na inclusão e não na segregação de pessoas com deficiência.
“A apapeq é uma ong, ela possui um estatuto próprio registrado em cartório e possui CNPJ. Quem define seus rumos e suas competências são os seus associados. O papel das ong’s são importantes, mas são importantes como ação complementar da educação da escola e da família, não para substituir estas instituições.
“Tenha um feliz natal para você e para sua família.”
Após estes esclarecimentos, Antônio Martins expôs razões legais, dispositivos e acordos que, segundo ele, subsidiam sua decisão.
Resta-nos perguntar: Tem o município de Quixadá reais condições de substituir a Apapeq? Serão os serviços oferecidos pelo novo Centro de Apoio da Educação Inclusiva tão eficazes quanto aqueles oferecidos pela Apapeq? Tem a administração do prefeito João da Sapataria a necessária experiência para gerenciar um serviço tão delicado? Acima de tudo, é isto o melhor para as crianças especiais? Como as novas políticas de educação especial a serem implantadas em Quixadá acolherão a Apapeq? Só o tempo dirá. A única certeza é que, se aprovado tal projeto, Quixadá estará trocando o certo pelo duvidoso. Compensa arriscar?
RELEMBRE REPORTAGEM SOBRE DIA DAS CRIANÇAS NA APAPEQ:
ENTENDA A POLÍTICA NACIONAL PARA EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Fonte:http://www.monolitospost.com/jaimearantes/natal-triste-projeto-da-prefeitura-de-quixada-podera-causar-o-fim-da-apapeq/
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