quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Gostosura dos Trópicos

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Escrito por Mylton Severiano e Kátia Reinisch

Pura tentação: perfumosa, suculenta, saborosa. Digestiva. Depurativa. Fortificante. Indianos, primeiros a deleitar-se com a manga, a consideraram fruta destinada aos deuses. Ao chegar aqui no fim do século 17, a tropical mangueira sentiu-se em casa.


A mangueira adora sol e detesta frio. Frequentemente passa dos 15 metros e pode atingir 50 metros – altura de um prédio de 16 andares. A copa chega a abarcar 20 metros de diâmetro, fornecendo sombra permanente, pois tem folhas o tempo todo. As perfumadas florzinhas vão do branco ou amarelo-esverdeado ao cor-de-rosa, agrupadas em cachos. A polinização é feita por insetos, pelo vento ou por autopolinização. Pertence à família das anacardiáceas, de árvores poderosas, como pau-ferro, aroeira, cajueiro.

Não faz luxo para nascer. Dois caroços que atiramos a esmo no fundo de nosso quintal, num trecho de mata nativa, de repente nos surpreenderam com duas arvoretas, agora com seus seis anos e mais de dois metros de altura.

A palavra manga vem de mankay, do tâmil, língua do sul da Índia, lugar de origem da Mangifera indica, na classificação do botânico sueco Lineu (1707-1778). Ela é “alguns” aninhos mais velha que nós: quando o Homo sapiens surge neste planeta 250 mil anos atrás, a mangueira já existe há pelo menos 25 milhões de anos.

Na Índia a consideram sagrada; no Natal, indianos cristãos – como fazemos no ocidente com os pinheiros – decoram as mangueiras. Também enfeitam as casas com suas folhas.

Foram os portugueses que, durante o ciclo das navegações, espalharam a manga pelas regiões tropicais de todo o planeta. A fruta fresca mais consumida no mundo chega ao Brasil em 1699, “importada das Índias” direto para Salvador, informa Câmara Cascudo, que arremata: “Começariam então os plantios nos quintais.”

O historiador Pio Corrêa anota que a mangueira foi “a árvore asiática que melhor se adaptou ao clima brasileiro”. Das mais de 500 variedades, cultivamos uma dezena, como as populares espada, rosa, bourbon, coração-de-boi. Hoje o Brasil é um dos 10 maiores produtores do mundo. Tal como a banana, “yes, nós temos manga, manga pra dar e vender”. E um dos maiores compradores, veja só, é quem a trouxe para cá: Portugal.


A gente se lambuza, mas também pode não se lambuzar

Em português, a menção mais antiga data de 1537. Em Colóquios dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia, o naturalista português Garcia da Orta elogia a fruta e lista vários jeitos de consumir: “Em conserva de açucare, em conserva de vinagre, em azeite e sal; recheadas dentro com gengibre verde e alhos; salgadas, cozidas; e de todas estas maneiras as vistes já, e provastes nesta casa.”O brasileiro em geral come ao natural – é o melhor, mas não sabe o que perde por não experimentar doutras mil formas.


Ah, se sinhozinho soubesse

Manga é rica nas vitaminas: A, boa para pele e dentes, e anti-infecciosa; C, que ajuda a absorver ferro – a manga tem tanto, que a indicam contra anemia e para as grávidas. Seu potássio e seu magnésio combatem cãibras e cansaço. É digestiva, depura o sangue, fortalece o coração e, expectorante, combinada com mel em xarope, trata bronquites rebeldes.
No Brasil colonial, senhores de engenho inventaram que manga com leite mata, para ficar com o leite; e os escravos, com a manga. Sorte dos negros.


O homem que transformou Belém na Cidade das Mangueiras
Belém, no fim do século 19, teve um prefeito peculiar, Antônio José de Lemos. Truculento, mas moderno: inaugurou a energia elétrica no País, pôs em praça pública espetáculos europeus e arborizou as ruas com pés de manga. Às vezes uma cai na cabeça de alguém, como aconteceu com o jornalista paraense Palmério Dória, nosso amigo: “A sensação é desconcertante”, diz ele, sem atinar que, via oral, manga faz bem ao cérebro.

Quiseram substituir as mangueiras por oitis, de frutos pequenos. Houve tal grita, liderada pela intelectual Eneida de Moraes, que “a ideia de jerico gorou”. Comenta Palmério que as mangueiras refrescam a cidade e ajudam os pobres. Armam traquitanas de bambu, colhem as mangas e saem vendendo. Pena que os prefeitos de hoje não plantem frutíferas, como fez Lemos. Que nem viu as mangueiras frutificar. Em 1911, deposto e arrastado por inimigos pelas ruas, safou-se e “exilou-se” no Rio, onde morreu no ano seguinte. Seria depois “anistiado” e seus restos mortais trasladados para Belém.
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