INSENSÍVEL
BRUNA BORGES COSTA
Estava com um de seus impecáveis paletós
preto, chamando atenção daquelas pessoas que já iriam reparar nele mesmo que
estivesse usando farrapos para se cobrir. Permanecia tão ereto que parecia uma
estátua.
Não só pela postura, merecia essa
comparação. Os membros rígidos e o olhar fixo contribuíam para transformar
aquele rapaz em um manequim. A sua frente, o caixão do pai e, logo em seguida,
o de sua mãe.
Adolfo era um homem feito e tinha como
única esposa o trabalho. Estava sempre em uma correria tão fatal que quase não
percebia a velhice dos pais. Agora, olhando para os rostos dos falecidos, ele
via as linhas profundas, os olhos fundos, a pele enrugada. As pessoas na sala
faziam especulações indiscretas sobre a morte dos senhores.
Alguns achavam que o próprio filho teria
matado a mãe, pois sabia dos problemas cardíacos do pai e devia estar cobiçando
alguma herança. Outros eram mais razoáveis e simplesmente falavam do quando o
rapaz parecia inabalável, tranquilo demais com
a dupla perda, que estava sofrendo em
plena segunda-feira.
“Filho desnaturado” era o que mais se
ouvia entre as beatas amigas da defunta. Afonso, por sorte ou azar, não
conseguia ouvir nada. Estava envolto em seus próprios pensamentos de maneira
definitiva. Já não tinha o que aprendera a chamar de família, e agora, só no
mundo, não tinha mais chão.
Não conseguia chorar, o que sentia era uma
queimação na garganta, um embaraço. Talvez castigo, meu Deus, pelas palavras
que quis dizer a seus pais e acabou não dizendo. Sua personalidade introvertida
sempre havia lhe custado caro.
Atrás dele, vinha caminhando lentamente
uma figura alta, equilibrada em um salto alto, esguia, trajando um vestido
preto que lambia suas curvas. Era sua ex-mulher, Claudia. Ela parou do lado
dele, mas não lhe dirigiu uma palavra sequer. Sua postura não mudou, seu olhar
não mudou, mas ele sabia que Claudia estava ali, reconhecia o perfume. — Eu já
deveria saber, não é, Afonso. Seus pais partem e nem uma lágrima sequer! — não
obteve resposta. Agora uma brisa leve agitava o rosto do homem que um dia ela
pensou amar. — Você é mesmo um insensível. E naquele momento, insensibilidade
maior não houve, e Afonso, perdendo a compostura, olhou-a por um segundo e
falou:
-Você não sabe de nada.
E não sabia mesmo. Claudia nunca iria
saber como dói sentir uma dor e não saber externar.
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