quinta-feira, 12 de setembro de 2013

INSENSÍVEL


INSENSÍVEL
BRUNA BORGES COSTA
Estava com um de seus impecáveis paletós preto, chamando atenção daquelas pessoas que já iriam reparar nele mesmo que estivesse usando farrapos para se cobrir. Permanecia tão ereto que parecia uma estátua.
Não só pela postura, merecia essa comparação. Os membros rígidos e o olhar fixo contribuíam para transformar aquele rapaz em um manequim. A sua frente, o caixão do pai e, logo em seguida, o de sua mãe.
Adolfo era um homem feito e tinha como única esposa o trabalho. Estava sempre em uma correria tão fatal que quase não percebia a velhice dos pais. Agora, olhando para os rostos dos falecidos, ele via as linhas profundas, os olhos fundos, a pele enrugada. As pessoas na sala faziam especulações indiscretas sobre a morte dos senhores.
Alguns achavam que o próprio filho teria matado a mãe, pois sabia dos problemas cardíacos do pai e devia estar cobiçando alguma herança. Outros eram mais razoáveis e simplesmente falavam do quando o rapaz parecia inabalável, tranquilo demais com  
a dupla perda, que estava sofrendo em plena segunda-feira.
“Filho desnaturado” era o que mais se ouvia entre as beatas amigas da defunta. Afonso, por sorte ou azar, não conseguia ouvir nada. Estava envolto em seus próprios pensamentos de maneira definitiva. Já não tinha o que aprendera a chamar de família, e agora, só no mundo, não tinha mais chão.
Não conseguia chorar, o que sentia era uma queimação na garganta, um embaraço. Talvez castigo, meu Deus, pelas palavras que quis dizer a seus pais e acabou não dizendo. Sua personalidade introvertida sempre havia lhe custado caro.
Atrás dele, vinha caminhando lentamente uma figura alta, equilibrada em um salto alto, esguia, trajando um vestido preto que lambia suas curvas. Era sua ex-mulher, Claudia. Ela parou do lado dele, mas não lhe dirigiu uma palavra sequer. Sua postura não mudou, seu olhar não mudou, mas ele sabia que Claudia estava ali, reconhecia o perfume. — Eu já deveria saber, não é, Afonso. Seus pais partem e nem uma lágrima sequer! — não obteve resposta. Agora uma brisa leve agitava o rosto do homem que um dia ela pensou amar. — Você é mesmo um insensível. E naquele momento, insensibilidade maior não houve, e Afonso, perdendo a compostura, olhou-a por um segundo e falou:
-Você não sabe de nada.
E não sabia mesmo. Claudia nunca iria saber como dói sentir uma dor e não saber externar.


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