MEU PRESENTE DE NATAL - Crônica de João Eudes Costa

João Eudes Costa

Luzes coloridas piscam como a fosforescência dos pirilampos. Harpas emitem acordes, que penetram na profundeza de nossa alma. Abraços nos despertam para um mundo sem rancor. Lágrimas desanuviam um peito sufocado pela emoção. Olhos para o céu procuram a estrela que anunciou o nascimento do salvador.

Noite de Natal. Estou com saudade de mim mesmo, de minha infância, quando tudo era alegria, cercado por quem me dava atenção e carinho. Como é bom ser inocente, pensar que tudo que vemos, ouvimos e tocamos é a mais pura verdade. Que não há mentira, traição inveja, desprezo, ódio e violência.

Quero fechar os olhos para tudo que descobri e conversar com você, Papai Noel. Traga para mim um valioso presente. Não são brinquedos. Os que você conduz, nesse saco vermelho, entregue lá naquela casinha humilde, no fim da rua daquele bairro pobre. Alimente o sonho daquelas crianças que, com tanta ansiedade, também o esperam. Não deixe que a infância delas se vá e os brinquedos nunca cheguem.

Para mim, Papai Noel, não traga mais brinquedos. Estou cansado, já não consigo acompanhar os carrinhos, deter a bola, nem mesmo acreditar que ainda exista alguma verdade na vida. Afinal, Papai Noel, para que brinquedos se meus amiguinhos se foram, estão distantes, não esperam mais a sua chegada e talvez se encontrem tão tristes como eu?

O presente com que sonho, Papai Noel, para clarear a escuridão de meu quarto, é você trazendo, em seu saco de ilusões, meu pai e minha mãe. Traga-os, mesmo que seja por alguns momentos. Permita que minha mãe sente-se á beira desta cama e repita todas aquelas palavras de amor, que aprendi a ouvir. Consinta Papai Noel, que ela fique comigo o tempo necessário para me beijar, enxugar o meu pranto, abraçar-me, chamar meu filho e sufocar esta saudade que me atormenta desde a sua partida. Quero fechar os olhos e ouvir as mesmas histórias que contava para que eu dormisse. Eram mensagens de amor, exemplo de carinho e dedicação, renovação da fé, esperança num mundo de paz e a certeza do triunfo do bem sobre o mal.

Não a leve agora, Papai Noel, porque papai está ali, de pé, paciente como sempre foi, esperando a sua vez para me acariciar, alisar os meus cabelos e dizer, timidamente, o tanto que me ama. Espere um pouco, Papai Noel deixe-me conversar com Papai, ouvir a sua voz e dormir embalado pela doçura de seu afeto. Rever os seus gestos de simplicidade, para que ele renove em minha alma toda a sabedoria e bondade que Deus põe no coração de um homem bom.

Descanse Papai Noel em minha cama, para se refazer da grande caminhada, enquanto passeio, de mãos dadas com meus pais, na alameda da felicidade. Dá-me tempo, Papai Noel, para que conte, aos meus pais, as bofetadas que levei, as quedas que sofri, as lágrimas que derramei, como é difícil viver depois que eles partiram. Quero expulsar os pesares que moram em meu coração e somente neles tenho confiança para confessar minhas fraquezas, meus desatinos, porque sabem entender e são capazes de me confortar. Minhas feridas são sempre magoadas por quem não tem piedade de minha dor, nem paciência para curá-las. As lágrimas já fizeram vincos em meu rosto, porque já não tenho quem as enxugue e as façam deixar de correr.

Permaneça, Papai Noel, repousando por mais algum tempo. Quero levar meus pais à nossa adorável casa. Mostrar como está diferente, triste, sem luz e sem vida. A mesa, que acolhia a família reunida, onde uma oração antecipava uma ceia modesta, mas repleta de amor, está vazia, desprezada. O santuário, onde genuflexos e reunidos rezávamos o terço e renovávamos a fé, já não existe. A caminha, onde deitava a minha inocência e você, Papai Noel, deixava os brinquedos, foi desmontada e não consigo encontrá-la.

Quero, Papai Noel, ser levado, pela mão por minha mãe, para ver a lapinha da Matriz, assistir à missa do Galo e cantar Noite Feliz. Quero ser protegido por meu pai, que compensava a minha timidez, quando eu montava num cavalinho da roda do parque. Deixe Papai Noel que, entre meus pais, percorra as ruas de meu querido Quixadá, como fazia no Natal de minha infância.

Pode ser, Papai Noel, que com a presença dos dois eu encontre tudo isto que vivo a procurar pela estrada da saudade. Por isso, estou pedindo este presente para que volte a acreditar que tudo é verdade. Que a partida de meus pais não passa de uma grande mentira ou de um terrível pesadelo na noite festiva de cânticos e louvor ao Deus Menino.

Obrigado, Papai Noel. Leve-os de volta para o céu, pois são estrelas que hoje pertencem ao firmamento celestial. Conforta-me fitá-los e espalhar, por entre as nuvens que os escondem, a minha saudade, nesta noite de Natal.

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