segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Estações de minha vida...Ângela Borges



ESTAÇÕES DE MINHA VIDA

                                                 Ângela Borges

Era inverno e a chuva caía, mansamente, molhando a terra seca que já começava a dar sinais de sublime renovação, com as plantas brotando e com elas também renascendo a esperança no coração do sofrido sertanejo.
   Minha mãe, uma jovem de 16 anos,  esperava, entre ansiosa e temerosa, a chegada de sua primogênita. A parteira já havia chegado, montada na garupa de um garboso animal, único meio de transporte naquela época.
   O tempo passou, e com ele outros verões chegaram. Foi num de seca, quando os açudes secaram e o gado urrava de fome no curral , que meu pai decidiu tentar a sorte na cidade.
   Lá tudo era novidade, mas não perdemos o vínculo com o sertão. Quando chegavam as férias, que duravam de dezembro a março, eu ficava na maior euforia, pois era costume passar na casa de meus avós, na Fazenda São Bernardo. Para mim, a parte mais emocionante era  pegar o trem e desembarcar na estação de Junco, há alguns quilômetros de meu destino final.
   Durante a viagem, não conseguia ficar sentada, pois aquela paisagem me deixava estática e me fazia imaginar como seria minha chegada à casa de meus avós. O sacolejo do trem embalava meus sonhos e eu me via transportada para um futuro que estamos sempre a esperar e que nunca alcançamos.
   Quando o trem parava na estação de Junco, já havia uma pessoa, mandada por meus avós, trazendo um animal aparelhado com dois “caçuás”, que seria minha condução. Eu, muito pequenina, ia sentadinha em um lado e no outro   minha bagagem. A pessoa encarregada seguia à frente, puxando o meu transporte para evitar que eu me machucasse.
   Era verão, mas na minha colorida infância, a primavera permanecia povoando minhas fantasias de criança. O que mais me motivava a fazer essa viagem era ficar perto de meus avós, viajar de trem e a cavalo, bem como esperar a chegada das chuvas, os açudes enchendo, para poder tomar banho em uma grande cratera, conhecida por cachoeira, aberta pela força das águas quando o açude Garaúna sangrava.
   E assim o tempo passava e com ele o progresso também chegava,  de uma maneira tão rápida, que nem percebíamos.
   Os trens, antes único meio de transporte, começaram a ser substituídos pelos automóveis e aos poucos foram perdendo seu encanto para muitos, não para mim. Sempre tive um fascínio todo especial pelos trens, com seus imensos vagões cheios de pessoas das mais diferentes espécies, cada uma levando no peito uma saudade, uma tristeza, uma esperança ou uma grande dor.
    Fui percebendo que nossas vidas são muito semelhantes aos trens, pois também estamos  sempre parando em várias estações, seja para renovar nossas energias, para tentarmos recuperar um sonho ou mesmo para chorar a descida prematura de algum amigo.
      O clímax da viagem era a parada na estação,  olhar para aquelas pessoas que também tinham um sonho a realizar. Ver de perto as crianças vendendo cestinhas de uvas... Ah! Que tempo bom... Mas como passou rápido...
   Logo chegou o venturoso outono, e  todos se preparavam para a colheita, não sabendo eles que apenas os que tiveram o trabalho de semear e regar teriam  acesso a ela. Quem  plantou sementes de amor, solidariedade e  fraternidade, com certeza quando chegar o momento de seu desembarque, levará consigo tudo o que semeou, tornando assim mais bela  sua estação final.
   Agora, adulta, acompanho com a mesma alegria de outrora, a passagem dos trens em nossa  estação,hoje ocupada pela Academia Quixadaense de Letras, cujos vagões transportam  milho, para amenizar o sofrimento dos nordestinos, ou  dormentes que servirão para construir uma nova ferrovia, que não passará na velha estação, palco de meus sonhos.
   Uma grande tristeza me invade a alma  ao constatar que os trens passageiros foram extintos em nosso sertão, deixando gravado no coração de cada um de nós o seu tão conhecido apito e o bater do sino anunciando sua chegada e partida.
   No dia 27 de outubro de 2013, data em que comemorávamos o aniversário de 143 anos de nosso município, ouvi,  pelo que seria a última vez, o apito do trem  que se despedia da histórica estação.
   Trem que se foi e levou meus sonhos de criança, fantasias de adolescente e desilusões de um adulto que muito sonhou em fazer parte de um mundo melhor. Quem sabe, quando  chegar a hora de meu desembarque, eu possa caminhar livre por aí e vislumbrar o mundo que sempre sonhei encontrar em cada uma das estações de minha vida.


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