domingo, 12 de janeiro de 2014

Saudades do Sertão



SAUDADES DO SERTÃO
João Eudes Costa

   Eu e você Corrupião Preto somos prisioneiros da mesma saudade, sentimos a mesma dor, e choramos igual tristeza. Nascemos à beira do mesmo rio, e crescemos sob o olhar protetor e severo dos gigantescos monólitos que circundam e defendem os tabuleiros quentes de nossa Quixadá.
Hoje estamos aqui, neste barulho infernal, aprisionados no luxo, longe da liberdade e das coisas simples do nosso sertão. Ai, você saltita incansavelmente nessa gaiola dourada, com enfeites multicores, onde canta a sua dor, porque não aprendeu a chorar. Aqui, fico estático, entre este emaranhado de cimento e ferro, chorando o meu pesar, porque nunca aprendi a cantar.
Enquanto você experimenta a saudade de seu ninho, urdido de ramos secos, entre a folhagem espessa da mata, forrado com macias penas coloridas, fico a recordar minha modesta morada, situada no sopé da serra, aonde chega o vento cansado, trazendo, de muito longe, o murmúrio do mar.
Por que estamos assim? Será que o amor que dedicamos ao sertão enfureceu o coração empedernido dos moradores da cidade? Não somos nós, querido Corrupião, as únicas vítimas do egoísmo dos que moram aqui, longe da tranqüilidade do sertão. Parece que a fúria do mar induziu revolta a esta gente, que, pouco a pouco, vai mutilando nosso mundo de paz e amor.
Estão dizimando as matas. Abrem feridas enormes nas florestas. Rasgam suas vestes verdes, vestindo-as de um cinza sem vida, com as folhas mortas tentando em vão amenizar a sanha do sol impiedoso que se precipita sobre a terra indefesa e triste. As árvores, outrora frondosas e viçosas, hoje parecem vultos que vagueiam no deserto, com braços secos erguidos para o céu, clamando a Deus perdão para a maldade dos homens.
Os riachos e rios já não correm com a mesma alegria, escrevendo seus nomes entre as árvores que se perfilavam e os cumprimentavam quando passavam com suas vestes douradas pelo sol. Suas águas já não são puras como as vindas do céu. Não partem das nascentes para se juntarem aos pingos que escorregam das folhas. Juntam-se à podridão dos esgotos e fossas das cidades pervertidas, angustiadas e sem almas.
Como nós dois, as águas também são prisioneiras do capricho dos homens. Ficam estagnadas, não para levar vida a todos que as procuram, mas para lavar a sujeira da cidade, que depois as devolve poluídas, mortífera para sufocar todos nós.
O nosso sertão está agonizando entre as mãos de gente que, impiedosamente, se diverte com a nossa solidão. Enquanto a cidade avança, esmaga nossa alma, porque, a todo o momento, tira um pedaço de nós, como se cada casa construída fosse uma dolorida chaga aberta em nosso ser.
Fico a pensar, amigo Corrupião, que não faz muita diferença chorarmos aqui a saudade do sertão, ou permanecermos lá assistindo à sua morte, num processo lento de destruição. Em ambas situações, estamos morrendo também, porque a nossa alma livre não suporta os grilhões que a maldade do progresso nos impõe. Mesmo assim, como eu, tenho certeza de que você preferiria a oportunidade de voar rápido em busca de suas origens. Abraçar o resto que sobrou do querido rio Sitiá. Saltitar nas velhas árvores que escaparam à fúria dos indomáveis apologistas de um progresso que destrói. Beijar o solo morno daqueles tabuleiros que não esquecemos e que julgamos ser os túmulos dignos de dois solitários prisioneiros, que choram juntos as saudades do sertão.

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