segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O Triste Beija-Flor - João Eudes Costa




O TRISTE BEIJA-FLOR
JOÃO EUDES COSTA
Nenhuma tristeza no mundo poderá ser comparada a do minúsculo beija-flor, que pousado no galho de uma papoula, observa desolado um jardim com as plantas retorcidas, queimadas pela inclemência do sol, sem uma única flor, morrendo de sede, respirando sutilmente, como se vivesse nos últimos momentos da existência.
Atônito, sem encontrar qualquer motivação para viver, o Beija-Flor parou talvez para relembrar a felicidade do passado. Naquele profundo pesar, olhava para os quatro cantos do jardim, onde costumava passear alegremente, aflando sob a cadência de um delicado bater de asas, volteando entre roseiras coloridas. Beijando a face de todas demonstrava a carícia que mereciam pelo que representam pra o mundo, como obra de arte, que Deus deixou como símbolo da paz e da harmonia entre nós.
Para o beija-flor não fazia diferença que as rosas brotassem no solo da mata virgem, na latinha de flandres pendida na biqueira da casa humilde do sertão ou no vaso de prata que enfeita a rica mansão. Não importava que fossem do sofrido Nordeste, ou trazidas da bela primavera dos abastados países da Europa. Antes de beijá-las, não interessava saber se vão enfeitar as alegrias da vida, ou a tristeza da morte. Para o pequeno beija-flor todas são belas e nenhuma deixa de ser digna da reverência e do carinho.
Em gratidão a tamanho afeto e para que o beija-flor fosse cada vez mais belo e carinhoso, as flores ofertavam a doçura do néctar, que, segundo a mitologia, era a bebida dos Deuses gregos.
Por isso, o Beija-Flor estava tão triste. Sem a presença e alegria das flores, perdeu o entusiasmo ficando estático a pensar, ou quem sabe a chorar, sentindo a imensa dor, uma grande saudade, e o infortúnio de conviver num mundo de melancolia, sem o encanto e a singeleza de quem tanto amou.
Entre os humanos as flores devem ser as boas ações, que precisam ser cultivadas e receberem o beijo da paz e da compreensão, porque representam o amor, sem o qual todos também morreremos por inanição.
Se naquele jardim o Beija-Flor entristece com a morte das plantas que definham pela sede, no mundo todos nós também entristecemos pelo desaparecimento das flores extirpadas pelo ódio, pela violência e pela obstinação existente entre os homens.
Quem nos espreita à distância, igualmente constata a nossa tristeza, a nossa angústia, e há de nos ver solitários e pensativos, impotentes para amar, porque as roseiras que nos cercam estão todas mortas, queimadas pelo fogo da discórdia, esmagadas pelo peso do egoísmo, que nos isola na ilha da desilusão.
Embora pareçamos tristes como o beija-flor, a nossa dor, a razão de nossa amargura é bem diferente. Enquanto a delicada ave beija para saudar a rosa que nasce, a perfeição que surge, levando-lhe afeição e a alegria da vida, o homem beija, muitas vezes, para marcar a sua traição. O Beija-Flor chora a falta da rosa pelos beijos que não pode dar. Enquanto nós choramos de remorso pelo beijo que demos para enganar, para fingir e disfarçar a nossa maldade.
Afinal as rosas nascem, enfeitam o mundo com a mensagem da paz, e têm a necessária humildade para perfumar mãos que as destroem, que as ceifam e que as fazem morrer. Enquanto nós algemamos e abrimos chagas nas mãos que nos acariciam, e torturamos os corações que se abrem para nos acolher e amar.


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