terça-feira, 2 de abril de 2013

MATARAM O MEU SERTÃO (CRÔNICA)




MATARAM O MEU SERTÃO
João Eudes Costa
Amanheci com saudade do sertão. Daquele sertão alegre, humilde, trabalhador e honesto. Das ingênuas festas juninas, com balões, fogueiras, milho assado e pé-de-moleque.
Sertão farto. Com a coalhada abarrotando a panela de barro, adoçada com rapadura feita na festança da moagem, misturada à farinha refinada, pela cabocla bonita, no balanço da peneira.
Do sertão das pegas de bois. Da apartação do gado gordo, ferra dos bezerros indômitos, que ainda não conheciam o arreador. Dos forrós aquecidos com a cachaça caipira e embalados pelos corpos ágeis das mulatas, numa casa de taipa com uma vasta sala de reboco.
Resolvi ir ao encontro a esse sertão feliz, sem maldade, acolhedor de braços fortes, disposto a lutar e vencer. Sertão que conheci e onde sempre convivi, onde temperei a fibra de nordestino, origem que me enche de orgulho.
Julguei ser fácil, pois o deixei na primeira curva da última casa do povoado. A vasta vegetação deveria marcar a presença do sertão, porque nasceu, cresceu e não sabe viver sem respirar o ar puro, exalado pelo suor de sua mata.
Puro engano, porque as árvores foram derrubadas, mortas e queimadas. O sertão, angustiado com a absurda e criminosa destruição, fugiu, distanciou-se para não morrer também.
Fui andando apressado, queria logo encontrar o meu sertão para relaxar, ficar tranqüilo e sumir daquele ambiente de tristeza e desolação. Em cada casa que chegava, batia palmas, era uma esperança. Antena de televisão, energia elétrica, sofisticado sistema de som, geladeira, fogão a gás e adorno com arranjos de flores importadas, logo respondiam que ele não estava ali.
Realmente dali havia sido expulso o candeeiro de querosene, que clareava o alpendre, onde se reuniam moradores vindos pelas mais distantes veredas. Quebraram o pote de barro, próprio para esfriar a água da fonte, sem poluição, que matava a sede do viajante cansado, a quem não era negado carinho e hospitalidade. O grande fogão de lenha já não queima troncos de jurema para aquecer, com rapidez, a chaleira de ferro que fervia o chá curativo, para quase todas as doenças, porque o vírus mortal, ali, não havia chegado.
A latinha de flores silvestres foi retirada da biqueira, e não mais enfeitava, com suas rosas multicores, a modesta casinha de taipa. O banco rústico de madeira e o tronco para amarrar os animais, cederam lugar ao estacionamento para carros, transportes dos que vão à cidade comprar frutas, verduras, ovos, galinhas e outros gêneros alimentícios, porque ali não mais existe o sertão, que tudo produzia, e sobrava para vender na feira.
Depois de muita andança, longe, muito longe, escondida na mata virgem e sem estrada de acesso, descobri uma casa abandonada. O vento batia nas portas e janelas, que se abriam e fechavam desordenadamente. Deserta, sem ninguém, havia cinzas no velho fogão de lenha. Tripé de madeira ainda sustentava um pote quebrado. Na frente da casa, um assento de madeira roliça, pastorava uma latinha parecendo um sepulcro de algumas flores mortas. Um gato assustado, faminto e magro, dividia com um cão esquelético o restante da casa desmoronada, de chão batido.
Tristonho, em silêncio, descobri que, naquela casa, tinha sido a última morada do sertão. Não adiantava prosseguir a busca. O sertão havia, realmente, desaparecido. Estava morto, sepultado no coração dos que fugiram da fome e da miséria. Desta gente sofredora, simples e honrada, que continua escravizada nos corredores de cimento e ferro das cidades, chorando, como eu, a saudade do sertão, que apenas continua vivo, na bela imagem, de nossos sonhos.

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