sexta-feira, 7 de junho de 2013

ZUMBIDOS - Sebastião Diógenes Pinheiro





                                                     Zumbidos
            O mecânico da estrada de ferro está prejudicado do juízo. Ele trabalha no enorme galpão da estação, onde as explosões das locomotivas ferem-lhe os ouvidos. As regras da proteção auditiva não são cumpridas e o ruído excessivo lhe destrói os neurônios da cóclea. Sobrevém a surdez. Não ouve o canto de pássaros, como os de canários, os de graúnas e galos-de-campina. Porque sons de notas graves, as burguesas ele escuta, não vale a pena, são cantos tristes, quase agourentos. Esforça-se para ouvir música, um suplício a privação do cântico.
Na companhia da surdez, coexistem os insuportáveis zumbidos que muito lhe atormentam o sono.  No silêncio da noite eles crescem. Não consegue dormir. Faz lucubrações sobre a causa da enfermidade, o trabalho no reparo de motores de locomotivas. Os estrondos, uma desgraça! Não pode largar o emprego, tem responsabilidades, mulher e filhos.
            O mecânico da estação, que padece de surdez e zumbidos, volta à escola. Almeja ser contador, tem facilidades com os algarismos, quer melhorar de vida, fugir do ruído. Estuda à noite, com dificuldades, não compreende as palavras do professor, não distingue bem os fonemas. Malditos zumbidos! Muda os hábitos. Afasta-se dos amigos, não há conversas quando se perde a audição e tem zumbidos. Despreza a sociabilidade humana, perde o gosto pela vida.
            A cigarra invisível está em toda parte, os estrídulos são constantes e atrozes. Audição difícil, ele perde quase toda a informação do noticiário e custa-lhe muito acompanhar um elenco de novelas. A mulher reclama o volume da televisão. Discutem baixinho para não acordar os meninos. Chateia-se o mecânico da estação. Não pode largar o emprego, ainda não é contador. Desespera-se. Deixa a casa e vai ao bar do seu Neci. Os zumbidos, exacerbados pela cachaça, descontrolam-no. Um tiro os silenciaria de vez, os zumbidos enlouquecedores. Lembra-se, com angústia, de pessoas que transformaram o aflitivo sintoma em silêncio fatal. Entra no quarto escuro com o equilíbrio afetado pelo álcool, tateia a gaveta da cômoda com desespero. A sinistra operação desperta a mulher.
            - O que você está procurando, Souza?
            O mecânico da estação reconcilia-se com a razão, repõe a pavorosa coisa no lugar. Procura conformar o tinido, gerenciar a madrugada insone. Alcança a graça da aurora e um raio de esperança começa a iluminar a escuridão. Sobrevém a claridade. No vigor do sol da manhã comparece à delegacia, como determina a lei, e desfaz-se do sinistro objeto da tentação.  Com o prêmio concedido pela campanha nacional do desarmamento, compra o equipamento para proteger-lhe a sobra de audição, que o ruído excessivo do enorme galpão, a ferrovia não cuidou. E pede a Deus que o proteja para o trabalho de contador.
Sebastião Diógenes.
Membro da Academia Quixadaense de Letras
Em 20/setembro/2012.


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