Zumbidos
O mecânico
da estrada de ferro está prejudicado do juízo. Ele trabalha no enorme galpão da
estação, onde as explosões das locomotivas ferem-lhe os ouvidos. As regras da
proteção auditiva não são cumpridas e o ruído excessivo lhe destrói os
neurônios da cóclea. Sobrevém a surdez. Não ouve o canto de pássaros, como os de
canários, os de graúnas e galos-de-campina. Porque sons de notas graves, as
burguesas ele escuta, não vale a pena, são cantos tristes, quase agourentos. Esforça-se
para ouvir música, um suplício a privação do cântico.
Na companhia da surdez, coexistem os insuportáveis
zumbidos que muito lhe atormentam o sono.
No silêncio da noite eles crescem. Não consegue dormir. Faz lucubrações
sobre a causa da enfermidade, o trabalho no reparo de motores de locomotivas. Os
estrondos, uma desgraça! Não pode largar o emprego, tem responsabilidades,
mulher e filhos.
O mecânico
da estação, que padece de surdez e zumbidos, volta à escola. Almeja ser
contador, tem facilidades com os algarismos, quer melhorar de vida, fugir do
ruído. Estuda à noite, com dificuldades, não compreende as palavras do
professor, não distingue bem os fonemas. Malditos zumbidos! Muda os hábitos.
Afasta-se dos amigos, não há conversas quando se perde a audição e tem zumbidos. Despreza
a sociabilidade humana, perde o gosto pela vida.
A cigarra invisível
está em toda parte, os estrídulos são constantes e atrozes. Audição difícil, ele perde
quase toda a informação do noticiário e custa-lhe muito acompanhar um elenco de
novelas. A mulher reclama o volume da televisão. Discutem baixinho para não
acordar os meninos. Chateia-se o mecânico da estação. Não pode largar o
emprego, ainda não é contador. Desespera-se. Deixa a casa e vai ao bar do seu
Neci. Os zumbidos, exacerbados pela cachaça, descontrolam-no. Um tiro os
silenciaria de vez, os zumbidos enlouquecedores. Lembra-se, com angústia, de
pessoas que transformaram o aflitivo sintoma em silêncio fatal. Entra no quarto
escuro com o equilíbrio afetado pelo álcool, tateia a gaveta da cômoda com
desespero. A sinistra operação desperta a mulher.
- O que você
está procurando, Souza?
O mecânico
da estação reconcilia-se com a razão, repõe a pavorosa coisa no lugar. Procura
conformar o tinido, gerenciar a madrugada insone. Alcança a graça da aurora e um
raio de esperança começa a iluminar a escuridão. Sobrevém a claridade. No vigor do sol da manhã comparece à delegacia, como
determina a lei, e desfaz-se do sinistro objeto da tentação. Com o prêmio concedido pela campanha nacional do
desarmamento, compra o equipamento para proteger-lhe a sobra de audição, que o
ruído excessivo do enorme galpão, a ferrovia não cuidou. E pede a Deus que o
proteja para o trabalho de contador.
Sebastião Diógenes.
Membro da Academia Quixadaense de Letras
Em 20/setembro/2012.
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