sábado, 21 de junho de 2014

Era Ele Sim - João Eudes Costa

                       

                              Era Ele Sim


João Eudes Costa

Joaoeudescosta@hotmail.com

Convidei os garis que trabalhavam na limpeza da rua para tomarem café em nossa casa. Os cincos adentraram acanhados, tímidos, escondendo-se um atrás do outro, como se cada qual sentisse vergonha de sua própria sombra.
Dentro de casa, vacilaram em tomar assento, temendo, quem sabe, que as suas roupas, empoeiradas pelo lixo, sujassem as cadeiras limpas postadas ao redor da mesa.
Enquanto se serviam, seus rostos não refletiam apenas a timidez, mas a angústia que identificava um grupo proscrito da tranqüilidade e felicidade.
A mais idosa quebrou o silêncio. Passou a narrar o drama que estava vivendo com o estado de saúde de sua netinha. “O médico recomendou um remédio que custa quase o salário que recebo. Recomendou uma alimentação que também não posso adquirir. Continua doente, mas Deus há de protegê-la e recuperar a sua saúde, pois somente Ele sabe minha aflição e sofrimento”.
Em seguida, outra contou o seu drama: ”Tenho oito filhos e o marido, além de desempregado, vive doente, impossibilitado até de ir procurar trabalho. Temos passado enormes dificuldades, mas Deus há de nos socorrer”. Outro desabafou: “Com este salário que recebo tenho que alimentar pai e mãe, velhos e paralíticos e garantir o sustento de mais cinco filhos. Estou muito preocupado porque não sei se hoje serei despejado da casa onde moro. Há três meses não pago o aluguel e o proprietário, diariamente, ameaça nos expulsar de lá. Não tenho o que fazer, Deus haverá de abrigar todos nós”.
A mais jovem usando surrada roupa de trabalho comentava: “Este ano ainda não consegui comprar um vestido sequer. Ganho pouco. Tenho pais pobres e irmãos que precisam de minha ajuda. Ainda bem que tenho estas roupas para trabalhar, pois, para sair, não possuo nem chinelos. Um dia, se Deus quiser, comprarei roupas, calçados, para não andar tão flagelada”.
O mais comedido, mais calmo e talvez mais sofredor, apenas comentou: “Ganhando meio salário, com seis filhos menores, sem possuir uma casa para morar, só Deus testemunha a amargura que experimento. Seja feita a vontade do Senhor, um dia, quem sabe tudo melhorará e não estaremos, aqui, desfilando este rosário de tristezas”.
O sexto integrante do grupo, homem tranqüilo, ouviu, atentamente, o desabafo dos companheiros. De vez em quanto, deixava rolar uma teimosa lágrima que fugia dos olhos e riscava o seu rosto. A resignação daquela gente sofredora parecia confortar aquele homem que balançava a cabeça, em sinal de aprovação, quando ouvia pronunciar, com fé, o nome de Deus. Sorria, como se a esperança de seus companheiros já fosse a realidade do presente.
Aquele homem sereno não tomou café e de nada se serviu. Não reclamou. Nenhuma palavra pronunciou. Seu olhar profundo refletia amor e compaixão. Sua serenidade recomendava paciência e fé. Suas lágrimas a grandeza de sua solidariedade. O sorriso a certeza da glória final.
Sentado ao lado daquela gente humilde, ouvindo aqueles desabafos, conhecendo a bravura daqueles heróis, sentindo a indução da força da fé, nunca havia experimentado tanta emoção. Nunca a mesa de nossa casa havia recebido pessoas tão importantes, que chegaram, timidamente, para mostrar a magnitude de seus espíritos. Jamais aquela mesa havia sido matizada com rosas de colorido tão belo. Inebriados pela ganância e vaidade de possuir, nunca paramos para pensar que a felicidade não se veste apenas de cetim e veludo. Geralmente, ela se apresenta trajada pela modéstia para que, cada vez mais, ressalte a grandeza do espírito de luz, a essência da criação Divina.
Aquele gari diferente, cujo silêncio falou mais alto. Cujos olhos penetrantes abriram as portas de nossos corações. Cujas lágrimas lavaram o ódio e expulsaram a ambição. Aquele homem cujo sorriso confortava e nos fazia renascer para um mundo de paz. Aquela figura carismática que não notei quando entrou com o grupo, naquela manhã, em nossa casa. Que não se alimentou, mas alimentou a nossa alma.
Aquele que induziu confiança e fé, felizmente, não partiu com os outros e permaneceu em nossa casa, certamente porque aprovou o acolhimento dado aos humildes, tenho certeza, era JESUS. Era ELE sim.

 

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