Era Ele Sim
João Eudes Costa
Joaoeudescosta@hotmail.com
Convidei os garis que
trabalhavam na limpeza da rua para tomarem café em nossa casa. Os cincos
adentraram acanhados, tímidos, escondendo-se um atrás do outro, como se cada
qual sentisse vergonha de sua própria sombra.
Dentro de casa, vacilaram em
tomar assento, temendo, quem sabe, que as suas roupas, empoeiradas pelo lixo,
sujassem as cadeiras limpas postadas ao redor da mesa.
Enquanto se serviam, seus
rostos não refletiam apenas a timidez, mas a angústia que identificava um grupo
proscrito da tranqüilidade e felicidade.
A mais idosa quebrou o
silêncio. Passou a narrar o drama que estava vivendo com o estado de saúde de
sua netinha. “O médico recomendou um remédio que custa quase o salário que
recebo. Recomendou uma alimentação que também não posso adquirir. Continua
doente, mas Deus há de protegê-la e recuperar a sua saúde, pois somente Ele
sabe minha aflição e sofrimento”.
Em seguida, outra contou o seu
drama: ”Tenho oito filhos e o marido, além de desempregado, vive doente,
impossibilitado até de ir procurar trabalho. Temos passado enormes
dificuldades, mas Deus há de nos socorrer”. Outro desabafou: “Com este salário
que recebo tenho que alimentar pai e mãe, velhos e paralíticos e garantir o
sustento de mais cinco filhos. Estou muito preocupado porque não sei se hoje
serei despejado da casa onde moro. Há três meses não pago o aluguel e o
proprietário, diariamente, ameaça nos expulsar de lá. Não tenho o que fazer,
Deus haverá de abrigar todos nós”.
A mais jovem usando surrada roupa
de trabalho comentava: “Este ano ainda não consegui comprar um vestido sequer.
Ganho pouco. Tenho pais pobres e irmãos que precisam de minha ajuda. Ainda bem
que tenho estas roupas para trabalhar, pois, para sair, não possuo nem
chinelos. Um dia, se Deus quiser, comprarei roupas, calçados, para não andar
tão flagelada”.
O mais comedido, mais calmo e
talvez mais sofredor, apenas comentou: “Ganhando meio salário, com seis filhos
menores, sem possuir uma casa para morar, só Deus testemunha a amargura que
experimento. Seja feita a vontade do Senhor, um dia, quem sabe tudo melhorará e
não estaremos, aqui, desfilando este rosário de tristezas”.
O sexto integrante do grupo,
homem tranqüilo, ouviu, atentamente, o desabafo dos companheiros. De vez em
quanto, deixava rolar uma teimosa lágrima que fugia dos olhos e riscava o seu
rosto. A resignação daquela gente sofredora parecia confortar aquele homem que
balançava a cabeça, em sinal de aprovação, quando ouvia pronunciar, com fé, o
nome de Deus. Sorria, como se a esperança de seus companheiros já fosse a
realidade do presente.
Aquele homem sereno não tomou
café e de nada se serviu. Não reclamou. Nenhuma palavra pronunciou. Seu olhar
profundo refletia amor e compaixão. Sua serenidade recomendava paciência e fé.
Suas lágrimas a grandeza de sua solidariedade. O sorriso a certeza da glória
final.
Sentado ao lado daquela gente
humilde, ouvindo aqueles desabafos, conhecendo a bravura daqueles heróis,
sentindo a indução da força da fé, nunca havia experimentado tanta emoção.
Nunca a mesa de nossa casa havia recebido pessoas tão importantes, que
chegaram, timidamente, para mostrar a magnitude de seus espíritos. Jamais
aquela mesa havia sido matizada com rosas de colorido tão belo. Inebriados pela
ganância e vaidade de possuir, nunca paramos para pensar que a felicidade não
se veste apenas de cetim e veludo. Geralmente, ela se apresenta trajada pela
modéstia para que, cada vez mais, ressalte a grandeza do espírito de luz, a
essência da criação Divina.
Aquele gari diferente, cujo
silêncio falou mais alto. Cujos olhos penetrantes abriram as portas de nossos
corações. Cujas lágrimas lavaram o ódio e expulsaram a ambição. Aquele homem
cujo sorriso confortava e nos fazia renascer para um mundo de paz. Aquela
figura carismática que não notei quando entrou com o grupo, naquela manhã, em
nossa casa. Que não se alimentou, mas alimentou a nossa alma.
Aquele que induziu confiança e
fé, felizmente, não partiu com os outros e permaneceu em nossa casa, certamente
porque aprovou o acolhimento dado aos humildes, tenho certeza, era JESUS. Era
ELE sim.
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