sexta-feira, 28 de março de 2014

“CAOS TOTAL”: Médico do Eudásio Barroso afirma: “Os políticos nos deram o inferno para trabalhar.”

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Nesta quarta-feira, 26, Jaime Arantes, um dos editores do Monólitos Post, conversou demoradamente, por telefone, com um médico que atua no Hospital Eudásio Barroso, em Quixadá. Com autorização do médico, a conversa foi gravada para posterior transcrição. Desejoso de evitar polêmicas em torno de seu nome, ele solicitou que sua identidade não fosse revelada. Embora este site entenda que a revelação da identidade do médico daria ainda mais credibilidade ao que se segue, mantém a convicção de que não será difícil para os usuários daquele nosocômio identificarem a veracidade de tudo o que o profissional afirmou e, ao mesmo tempo, não pode se furtar ao dever de denunciar a situação caótica a que os cidadãos de Quixadá e região estão expostos na área da saúde.
Jaime Arantes: Doutor, obrigado por aceitar conversar conosco. Nos últimos dias, o Eudásio Barroso apareceu em mídias de alcance nacional por causa de sua precariedade. Cidadãos ligam para os programas de rádio e falam sobre as dificuldades enfrentadas neste hospital. Existe algum exagero nisso tudo ou a situação é mesmo de precariedade?
Médico: Desculpe pedir para não me identificar. Estou cansado demais do dia a dia para ter de suportar ainda perseguições. Acho que definir a situação do Eudásio Barroso como “precária” é não defini-la pelo seu nome real. Faz tempo que ultrapassamos o nível de precariedade. A situação chegou num ponto impossível. Eu nunca vi isto em Quixadá, nem nas piores crises que já testemunhei aqui. O Eudásio Barroso está completamente falido em sua proposta de atendimento. Ele respira, eventualmente, por pura sorte; eu diria que é um hospital moribundo. O Eudásio Barroso está vivendo o pior momento de sua história. Não consigo colocar em palavras o tamanho descaso que vejo aqui. Você precisaria sair de sua posição privilegiada e vir aqui, passar alguns dias aqui dentro, acompanhando os médicos, para sentir o que sentimos, para ver o que nós vemos. Aliás, quando suas matérias dão a entender que os funcionários deste hospital deixaram de atender bem esse ou aquele paciente, eu tenho vontade de trazer você à força e deixá-lo aqui dentro alguns dias. Só assim você veria, Jaime, que os políticos nos deram o inferno para trabalhar.
Jaime Arantes: Entendo sua indignação. Lamento muito por esta situação existir. Mas o Senhor poderia especificar exatamente o que torna o Eudásio Barroso um lugar tão difícil para um médico trabalhar?
Médico: Preste atenção. Como você acha que um médico se sente ao chegar num hospital como o Eudásio Barroso, com um fluxo tão grande de pacientes, e percebe que só tem à disposição dez ampolas de dipirona, nenhuma seringa, que só tem seringa de 3ml – que é muito pequena -, nenhum fio para sutura, nenhum filme para Raio-X e nem mesmo receituário? Como acha que eu me sinto? Tenho que orientar os pacientes a comprarem essas coisas. E muitos deles acabam ficando de cara feia é pra mim. Na hora do aperto da doença, muitos esquecem que o problema não está no médico, mas na política. Eu sou um médico, não um mágico. Eu não posso fazer milagre. Isso nos afeta também como profissionais, você precisa entender isto. Eu saio da minha casa com a consciência de que estou apenas indo dar minha cara a tapa no Eudásio Barroso, porque é como eu já disse, a situação chegou num ponto impossível. Queria muito que a população e as autoridades entendessem isso.
Jaime Arantes: Parece realmente preocupante. O Senhor falou que em certo momento só havia dez ampolas de dipirona. E essas ampolas são usadas com regularidade?
Médico: Sim, com regularidade. Você dizer que a situação é preocupante parece piada de mau gosto. A situação não é preocupante. É alarmante! Para você ter uma ideia, muitas pessoas já ficaram sequeladas por falta de cirurgias no Eudásio Barroso. Eu estava conversando essa semana com outro médico e falando exatamente sobre a escassez de dipirona. Na traumatologia, por exemplo, se usa mais voltarem, diclofenaco 75mg. Mas estávamos comentando essa semana que já faz uns três meses que não tem voltarem no Eudásio Barroso. Na verdade, nem lembro mais qual foi a última vez que vi isso no hospital. Já faz cinco meses que não tem material cirúrgico para cirurgia de traumas. Cinco meses, entendeu? Pelo amor de Deus, não chame isso de “preocupante”. O que está posto ali é um caos total, absoluto, sem possibilidade de reversão.
Jaime Arantes: Como assim “sem possibilidade de reversão”? O Senhor não acha que este quadro pode ser revertido?
Médico: Não, não acredito mais nisto.
Jaime Arantes: Por pior que seja a situação, não acha que está sendo pessimista demais?
Médico: Minha impressão é a de que os gestores simplesmente não se importam. A população sofre, reclama no Facebook, mas não reage de verdade. Eu vejo em outros municípios o povo tomando alguma atitude. Em Juazeiro, em Maracanaú, em Baturité e até em Ibicuitinga teve pressão popular muito forte. Em Quixadá, as pessoas parecem estar anestesiadas diante do próprio infortúnio. Eu não sou nenhum bobo, Jaime. Acreditar em reversão com este quadro político não é possível. Mas você pode acreditar no que quiser. Diga a seus leitores que há esperança, quem sabe essa ilusão não os ajude a suportar tudo por mais algum tempo.
Jaime Arantes: O Senhor tem visto aparecer no Eudásio Barroso muitas pessoas vindo da UPA?
Médico: Sim, mas simplesmente porque a UPA é lotada e as pessoas não querem esperar. Aí elas acabam vindo para o hospital. Mas nenhuma emergência deixou de ser atendida. Pode não ter sido atendida idealmente por causa da falta de materiais e exames. Mas foi atendida. Vi um homem fazendo confusão porque estava com um abscesso há uma semana na axila e não queria esperar na UPA porque a fila era muito grande. Aí acaba se dirigindo ao Eudásio Barroso.
Jaime Arantes: Recentemente um médico foi acusado de tentar agredir o acompanhante de um paciente. Como os profissionais médicos do Eudásio Barroso lidaram com isto?
Médico: Gostaria de não falar sobre isto.
Jaime Arantes: Tudo bem. Gostaria de deixar algum recado para a população?
Médico: Você tem deixado tantos recados para a população e nada acontece que nem sei se ninguém ainda se importa com alguma coisa por aqui. Mas eu só gostaria que entendessem que estamos tentando fazer nosso melhor. Temos falhas como todo mundo tem. Mas estamos tentando fazer o nosso melhor como profissionais dentro das circunstâncias que nos oferecem para trabalhar. Os médicos não são inimigos da população. Pelo contrário. Não esqueçam do que eu disse: não somos mágicos, somos médicos.
Fonte:http://www.monolitospost.com/2014/03/27/caos-total-medico-do-eudasio-barroso-afirma-os-politicos-nos-deram-o-inferno-para-trabalhar/

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