Casa onde nasceu o poeta Patativa do Assaré
QUERO VIVER
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João Eudes Costa
Apesar da violência e de toda
espécie da maldade que envolve o mundo, gerando um ambiente de insegurança e
medo, quero viver por muito tempo, porque encontro o abrigo, a defesa e o
incentivo no amor que ainda existe no coração das pessoas que nos cercam.
Quero viver para sentir a
beleza da natureza e a carícia suave do vento. Apreciar o romper da aurora, o
nascer de nova luz, mostrando outros caminhos, renascendo esperanças para
prosseguir na luta. Não devo morrer ao sentir o sopro do vento morno do
desengano, trazendo a fúria dos que agridem, assaltam e matam, tingindo o mundo
com o negrume da crueldade.
Quero viver para sentir a
grandeza das almas humildes, dos que renunciam em benefício da felicidade dos
outros, dos que acreditam na força da doação. Não devo morrer porque a
prepotência supera o direito, a falsidade impera, fomentando a guerra
fratricida.
Quero viver para beber a água
cristalina, descida do céu, que corre pelos riachos, que se enroscam, como
cobras pelas veredas do sertão. Não devo morrer porque as águas são poluídas
pelo progresso, que nos tira o ar, a tranqüilidade e a própria vida.
Quero viver para abraçar os
que me amam, beijar os que me querem e me apoiar no ombro amigo dos que me
acolhem em seus corações. Não devo morrer porque encontro o ódio, o desdém e me
negam um bastão amigo, onde possa apoiar a minha fraqueza.
Quero viver para experimentar
o calor da sincera amizade, a energia do abraço afetuoso, o sorriso e o apoio
dos que se alegram com as minhas vitórias. Não devo morrer porque os delatores
nos traem quando nos beijam e os facínoras nos apunhalam quando nos abraçam.
Quero viver pela fantasia das
noites claras, vendo o galopar das nuvens e o namoro das estrelas. Não devo
morrer porque a escuridão acoberta, com o seu manto negro, o fantasma da
violência e do crime.
Quero viver para acariciar a
criança feliz, brincar com a sua inocência e aprender a gostar das coisas
simples. Construir castelos de areia e acreditar que tudo é verdade. Não devo
morrer porque vejo crianças infelizes, mergulhadas na podridão das drogas e do
crime, sem lar, sem rumo e sem destino.
Quero viver para dormir o sono
tranqüilo, pastorado pela paz das boas ações. Sem temer a violência, na
serenidade da proteção de Deus. Não devo morrer quando não consigo conciliar o
sono porque o remorso cobra alto preço pelo bem que deixei de fazer.
Quero viver para repassar a
infância, procurar minhas pegadas por antigos caminhos e não deixar desaparecer
aquele menino de alma pura, que mora no âmago de meu coração. Não devo morrer
porque não sou mais o menino ingênuo, despreocupado e feliz.
Quero viver para penetrar no
sertão, repousar à sombra da oiticica, ser acolhido pela simplicidade da casa
de taipa e me sentar à mesa farta de amor do bravo homem do campo. Não devo
morrer porque mutilaram o sertão, expulsaram seus moradores, enganaram a sua
boa fé e os amarraram, a fim de chicoteá-los até a morte.
Quero viver para apreciar o
vigor, a alegria e a esperança da juventude que sonha e merece um mundo de paz,
tranqüilidade e amor. Juventude que deve ter liberdade, consciência de seu
valor e fé no futuro risonho que a espera. Não devo morrer, mesmo sabendo que
minha juventude já é passada e a velhice é um futuro que se aproxima.
Quero viver, e viver muito,
porque tenho muita fé no amor que possuo, ele me faz forte, sempre alegre e
jovem. No dia em que esta carcaça envelhecer e tropeçar em insignificantes
obstáculos, dentro de mim, haverá um jovem robusto e sorridente que acolherá o
velhinho com afeto, deitando-o no berço macio do amor, mostrando que viver,
afinal, vale a pena.
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