quinta-feira, 27 de março de 2014

Crônica de Bruno Paulino

A malemolência do mundo



O sujeito era melódico, assobiava e andava com malemolência. Boêmio, lembro-me de tê-lo visto trabalhando de garçom num restaurante chique. Sei que nos dias de folga ele ia para o boteco da esquina da rua onde morava tomar sua cerveja, jogar sinuca e discutir futebol, cantarolando canções antigas e batendo violão, numa dor de cotovelos dos diabos. Não o conhecia direito, mas o admirava quando parava naquela esquina para esperar o ônibus do meu trabalho noturno na fábrica. Então, via-o ali entre amigos, celebrando a vida, talvez até carregasse consigo alguma dor. O admirava, pois ele parecia ter uma brisa tão própria, de áurea leve, e eu andava sempre com tanta pressa que chegava inconscientemente a invejá-lo. O fato é que nunca mais o vi. Ele sumiu pela vida, não deixou rastros. O boteco da esquina fechou. Não se ouve mais canção antiga ao violão, não se joga mais sinuca. O tempo mudou. O tempo agora é veloz. O mundo também é outro sem aquela malemolência. O mundo não é mais boêmio.

Bruno Paulino do Nascimento - Membro da Academia Quixadaense de Letras.


bruno_enxadrista@hotmail.com

Fonte: Jornal o Povo

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