sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O Triste Beija-Flor - João Eudes Costa


O TRISTE BEIJA-FLOR
JOÃO EUDES COSTA
Nenhuma tristeza no mundo poderá ser comparada a do minúsculo beija-flor, que pousado no galho de uma papoula, observa desolado um jardim com as plantas retorcidas, queimadas pela inclemência do sol, sem uma única flor, morrendo de sede, respirando sutilmente, como se vivesse os últimos momentos de uma existência.
Atônito, sem encontrar qualquer motivação para viver, o Beija-Flor parou talvez para relembrar a felicidade do passado. Naquele profundo pensar, olhava para os quatro cantos do jardim, onde costumava passear alegremente, o aflar sob a cadência de um delicado bater de asas, volteando entre papoulas coloridas, ornamentadas de flores. Beijando a face de todas, levava a cada uma, sem exceção, a carícia que cada uma merecia, pelo que representa no mundo, como a obra de arte, que Deus deixou como símbolo da paz, e da harmonia entre os homens.
Para o beija-flor não interessa que a rosa brote no solo da mata virgem, na latinha de flandre, pendida na biqueira da casa humilde do sertão, ou no vaso de prata que enfeita a rica mansão. Não importa que sejam rosas do sofrido Nordeste, ou trazidas da bela primavera dos abastados países da Europa. Antes de beijá-las, não interessa saber se vão enfeitar as alegrias da vida, ou a tristeza da morte. Para o pequeno beija-flor  todas são perfeição, nenhuma deixa de ser digna de reverência e carinho.
Por isso, o Beija-Flor estava tão triste. Sem a presença e alegria das flores, ele perde o entusiasmo, fica estático a pensar, ou quem sabe a chorar, sentindo a imensa dor, uma grande saudade, e o infortúnio de conviver num mundo triste, sem o encanto e a beleza das flores.
Entre os homens as flores devem ser as boas ações, que precisam ser cultivadas e receberem o beijo da paz e da compreensão, porque representam o amor, sem o qual todos também morreremos por inanição.
Se naquele jardim o Beija-Flor entristece com a morte das plantas que definham pela sede, no mundo todos nós também entristecemos pelo desaparecimento das flores extirpadas pelo ódio, pela violência e pela obstinação existente entre os homens.
Quem nos espreita à distância, igualmente constata a nossa tristeza, a nossa angústia, e há de nos ver solitários e pensativos, impotentes para amar, porque as roseiras que nos cercam estão todas mortas, queimadas pelo fogo da discórdia, esmagadas pelo peso do egoísmo, que nos isola na ilha da desilusão.
Embora pareçamos tristes como o beija-flor, a nossa dor, a razão de nossa tristeza é bem diferente. Enquanto a delicada ave beija para saudar a rosa que nasce, a perfeição que surge, levando-lhe afeição e a alegria da vida, o homem beija quase sempre para marcar a sua traição. O Beija-Flor chora a falta da rosa pelos beijos que não pode dar. O homem chora de remorso o beijo que deu para enganar, para fingir e disfarçar a sua maldade.
Afinal as rosas nascem, enfeitam o mundo com a mensagem da paz, e têm a necessária humildade para perfumar mãos que as destroem, que as ceifam e que as fazem morrer. Enquanto isto, algemamos e abrimos chagas nas mãos que nos acariciam, e torturamos os corações que se abrem para nos acolher.
Somos todos tristes beija-flores que desesperados procuramos em vão rosas para beijar. Impossível encontrá-las porque estão todas mortas, sepultadas num gigantesco jardim, destruídas pelo hálito mortífero do ódio e da violência, porque por ali não deixamos passar a brisa suave do amor que nos traz alento, paz e tranqüilidade de viver.








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